Qual o impacto que a transferência de líderes de facções criminosas para penitenciárias federais pode produzir no sistema penitenciário gaúcho?
Na opinião de autoridades, não devem ocorrer reflexos negativos. Na sexta-feira o clima estava calmo tanto na Cadeia Pública, o antigo Presídio Central, quanto na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
De acordo com o diretor da Cadeia Pública, tenente-coronel Marcelo Gayer, houve uma reunião entre ele, a juíza da Vara de Execuções Criminais Patrícia Fraga Martins e presos das três galerias que perderam seus plantões (líderes) com a Operação Pulso Firme.
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O oficial afirma que a própria Brigada Militar (BM) se encarregará de escolher os novos representantes. Se confirmada essa informação, já será dado um passo à frente no sentido de retomada do poder das galerias da maior prisão gaúcha pelo Estado.
Ainda há muito por ser feito, principalmente em relação à superlotação, que impede a realização de um efetivo controle de detidos e apenados.
Falange Gaúcha
Curiosamente, a Operação Pulso Firme foi realizada em um 28 de julho, exatos 30 anos do motim que marcou a criação da Falange Gaúcha, primeira facção do Estado.
Na sequência, outras rebeliões, fugas constantes e mortes decorrentes de disputas internas no grupo criminoso transformaram o sistema penitenciário gaúcho em um barril de pólvora.
Por conta do constante clima de tensão, em 1995 o governo estadual decidiu entregar o controle do Presídio Central à BM. A medida, batizada de Operação Canarinho, era para ser provisória, com duração de apenas seis meses. No entanto, já passa de 22 anos.
Ao longo do tempo, adaptando-se a uma função não prevista entre suas atribuições, a BM foi conduzindo uma série de rearranjos, visando harmonizar o sistema. O processo envolveu, em alguns aspectos, outras instituições, como o Ministério Público e até o Poder Judiciário, com acordos tácitos e explícitos para reduzir a violência e a tensão no interior da prisão.
Superlotação ainda é problema no Estado
Uma das medidas foi a separação de presos conforme a facção à qual pertencem. Outra, a criação da figura do plantão (ou "prefeito", na linguagem dos presos), a quem cabe encaminhar as demandas de sua respectiva galeria.
As solicitações individuais incluem os atendimentos técnicos (médico, psicológico e jurídico) e as transferências. No caso das coletivas, geralmente são relacionadas a problemas estruturais, como falta d'água ou de energia elétrica.
Com esse sistema, que se vale de reuniões com a participação pacífica de todos os líderes, houve uma expressiva redução das mortes internas e dos atritos entre a guarda e a massa carcerária. Porém, no caminho da pacificação havia a superlotação, a entrada de celulares e o interesse econômico das facções.
Abrigando 300 homens, em média, as maiores galerias tornaram-se território impenetrável para a própria guarda, quando os presos estão presentes. A dinâmica interna, então, ficou completamente nas mãos dos grupos organizados.
E os líderes, com as facilidades oferecidas pela telefonia móvel e seus aplicativos, seguiram ordenando e comandando crimes praticados do lado de fora dos muros da prisão.
Em consequência, o sistema passou a dar uma aparência de tranquilidade, sem mortes e motins. Salvo a descoberta, em fevereiro passado, de um túnel que estava sendo aberto da rua para o presídio, e que possibilitaria a fuga de cerca de 400 presos. Os financiadores da obra, de acordo com investigações policiais, estão entre os transferidos na sexta-feira.
Na contrapartida da calmaria, os índices de criminalidade dispararam do lado de fora. Por conta dessa realidade, o Estado aposta suas fichas nas transferências dos líderes. Porém, essa medida pode se tornar paliativa se a superlotação não for combatida. Novas lideranças se formam, os celulares continuam funcionando bem, e as facções seguem com o controle do crime nas ruas.