A transferência de mais de duas dezenas de líderes de facções gaúchas para presídios federais foi vista como demonstração de força das autoridades de segurança pública contra as organizações criminosas. Porém, o impacto do plano na redução da violência ainda é incerto. Especialistas ouvidos por ZH analisam que, isolada, a ação surte efeito tímido na queda dos indicadores de segurança em razão da capacidade de reorganização da estrutura das quadrilhas. Por isso, o isolamento dos líderes precisa estar associado a outras estratégias de combate e prevenção da violência.
– Essa operação vai ao encontro de a uma necessidade, porque, no Rio Grande do Sul, havia descontrole na segurança. Agora, por si só, não resolve o colapso no sistema prisional nem rebate a criminalidade. Em um primeiro momento, enfraquece as facções, mas, se não houver continuidade de políticas públicas, ocorrerá rearticulação que pode recrudescer esses grupos com poder de violência ainda mais aprofundado – avalia o coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria, Eduardo Pazinato.
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Na sua análise, a desestruturação imediata das facções confere aos órgãos de segurança oportunidade de combate efetivo dos grupos. Para desarticulá-los, Pazinato sugere o incremento de operações articuladas entre as instituições e a ampliação de políticas públicas direcionadas a moradores de regiões conflagradas na tentativa de afastá-los do crime.
No entanto, não se trata de um diagnóstico unânime. O professor de Tecnologia em Segurança Pública e Gestão Pública da Feevale Charles Kieling observa que os grupos comandados pelos líderes transferidos seguirão em atividade, inclusive ditando ordens de dentro dos presídios. Isso porque, com o isolamento do "chefe", o segundo na hierarquia da organização deve assumir a liderança e dar continuidade às ações.
– É uma retaliação do Estado contra os grupos, para diminuir o seu poder de comando. Para a sociedade, a operação parece resolver a situação, quando, na realidade, nada muda. Já existe uma dinâmica de funcionamento que confere vida ao crime. As autoridades precisam trabalhar para desmantelar essa dinâmica, e aí está toda a dificuldade – considera Kieling.
Os especialistas ainda alertam para o risco de reações violentas das facções, a exemplo do ocorrido em outras regiões. Em Santa Catarina, há quatro anos, 40 criminosos foram levados para presídios federais em meio a uma onda de ataques contra delegacias, batalhões e ônibus a mando do Primeiro Grupo Catarinense (PGC). As transferências acirraram ainda mais os ânimos, e a situação só arrefeceu com o reforço da Força Nacional e a integração de ações entre as autoridades de segurança.
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Situação ainda mais grave ocorreu em São Paulo. Em 2001, o Primeiro Comando da Capital (PCC) promoveu rebeliões em 29 penitenciárias em protesto à transferência de líderes da facção que estavam no Carandiru, na capital paulista. Cinco anos depois, as forças de segurança decidiram transferir mais de 700 presos ligados à organização. Em resposta, o PCC realizou motins e deu início a uma onda de mais de 200 ataques, matando mais de cem pessoas. À época, a capital paulista viveu momentos de pânico e as ruas ficaram desertas.
É justamente com o poder do PCC que o analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Guaracy Mingardi relaciona o isolamento dos líderes de facções gaúchas. No Rio Grande do Sul, o crime segue sob controle de grupos locais que, a partir de agora, entrarão em contato com comandantes de quadrilhas nacionais.
– Nos presídios federais, esses líderes encontrarão pessoas ligadas ao PCC e ao CV (Comando Vermelho, do Rio de Janeiro), a nata da criminalidade nacional, ganhando know-how de grupos muito mais organizados e com muito mais dinheiro. No futuro, esses criminosos retornarão sabendo mais do que antes, com mais capacidade organizativa e ideologia. Inicialmente, a transferência é boa, mas, a média prazo, pode se tornar ruim se não houver controle na volta – alerta Mingardi.