Atordoada. Assim estava, na sexta-feira, Encruzilhada do Sul, cidade de 25,8 mil habitantes localizada no Vale do Rio Pardo. Com a rotina completamente modificada pelas explosões em sequência de três agências bancárias, a comunidade atravessou a madrugada acompanhando a movimentação policial em busca do bando que aterrorizou o município e que, possivelmente, seja comandado por Ivo Francisco dos Santos Assis, um dos mais procurados assaltantes de bancos do Rio Grande do Sul.
A primeira agência atacada foi a do Sicredi, por volta de 0h30min. Em cima, mora a família do autônomo Ramiro Hopp, 30 anos:
– Quando começaram as explosões, até achamos que eram foguetes. Assim que percebemos que eram barulhos de tiros e explosivos, nos escondemos no quarto mais afastado dos caixas eletrônicos e lá ficamos, abaixados. Parecia que nunca iam parar. Para mim, ficaram aqui uma eternidade.
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O grupo de aproximadamente 10 pessoas, todos vestindo roupas camufladas, coletes balísticos e toucas-ninjas, foi rendendo quem estava na rua e os posicionando em trios ou duplas nas esquinas, formando diversos escudos humanos. Um grupo maior de reféns, obrigado a permanecer de mãos dadas, foi colocado de costas para as agências, dando proteção a quem implantava as dinamites e colhia as cédulas de real.
Filipe Fonseca Soares, 25 anos, passeava de carro com dois amigos quando foi abordado pelo homem que ele acredita ser o líder do bando. O criminoso atirou contra o carro onde estava o bombeiro civil, furando o pneu e travando o veículo imediatamente.
– Pediu que a gente trocasse o pneu, mas quando viu um vazamento e que o carro não andava, mandou a gente ir para a frente do Sicredi – relata Soares.
Escudo humano conduzido de agência em agência
Exaltado, esse assaltante gritava com os reféns, atirava para o alto e para o chão e apontava a arma para as pessoas. Estojos de fuzis calibres 556 e .30 foram encontrados no chão. Após o primeiro ataque, os criminosos conduziram os moradores até o Banco do Brasil e, repetindo o procedimento, chegaram ao Banrisul, todos localizados na Avenida Rio Branco, e distantes 500 metros um do outro.
A ginecologista e obstetra Débora Clasen dos Santos, 34 anos, ia ao hospital da cidade acompanhar uma paciente em trabalho de parto quando estranhou ao ver, na quadra do Banrisul, pessoas caminhando de mãos dadas. Tão logo parou o carro, foi rendida. Teve que descer do veículo e se juntar ao grupo que formava um cordão humano de costas para a agência.
– Só pensava em sair dali. Torcia para que meu marido não fosse me procurar, para que ninguém fosse morto.
Neste ponto, até o líder parecia mais calmo. Conversava com os reféns, perguntava sobre efetivo da polícia na cidade, sobre a existência de joalherias e dava dicas aos reféns que estavam mais próximo dos explosivos.
– Tapem os ouvidos que vai doer. Já sou meio louco, não preciso tapar– teria dito o criminoso que, em outro momento, teria feito um desabafo. – A gente que é pobre e trabalhador, tem que fazer esse tipo de coisa. O governo rouba lá, e nós aqui.
BM chamou reforço e montou barreiras, mas ninguém foi preso
Antes de saírem, os bandidos colocaram Débora e outras duas mulheres sentadas nas janelas de um I30 e de um Corsa, este último roubado de um taxista durante a ação. Com as pernas dentro do automóvel, elas ficaram com as costas e a cabeça para a rua. No I30, com três criminosos, uma ficou na janela do motorista, e a obstetra, na do carona. A outra mulher ficou no Corsa. Os dois veículos foram encontrados por volta de meio-dia na localidade de Cerro da Vigia, a 5 km do centro, em direção a Dom Feliciano. As três reféns foram libertadas dois quilômetros antes.
– Foi apavorante. Eles não falavam nada no carro, mas eu estava com medo de cair – contou Débora.
O reforço de 30 policiais militares permitiu que barreiras fossem montadas nas saídas da cidade, mas ninguém foi preso. Por volta das 17h30min de sexta, o Grupamento de Ações Táticas Especiais (Gate) chegou para analisar uma possível dinamite que não havia explodido no Banco do Brasil. Ao todo, três caixas eletrônicos do banco federal, dois do Sicredi e quatro do Banrisul foram arrombados. A quantia levada não foi informada.
O subcomandante da BM de Rio Pardo, que atende Encruzilhada do Sul, capitão Sílvio Silva, resumiu a impotência dos brigadianos da cidade diante do poder de ataques do bando:
– Os policiais ficaram no batalhão esperando reforço. Se fossem lá, seriam metralhados.