O anúncio de que Eldorado do Sul será sede de uma penitenciária federal ocorreu no momento em que o sistema de segurança máxima enfrenta uma crise em razão da articulação das duas maiores facções nacionais: o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.
Na quinta-feira da semana passada, a agente federal Melissa Almeida, 37 anos, que trabalhava como psicóloga na Penitenciária Federal de Catanduvas (PR), foi executada com dois tiros quando chegava em casa, em Cascavel. O marido dela, que é policial civil, também ficou ferido ao trocar tiros com dois criminosos. Melissa é a terceira servidora da União executada em oito meses.
Leia mais
Construção de penitenciária federal divide Eldorado do Sul
Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, receberá penitenciária federal do RS
A primeira vítima foi o agente penitenciário federal Alex Belarmino Almeida Silva, assassinado em setembro do ano passado dentro de seu carro, em Catanduvas. No mês passado, em 12 de abril, o também agente penitenciário federal Henry Charles Gama Filho, foi morto a tiros em um bar em Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Para a diretora do Sistema Penitenciário Federal do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Cíntia Rangel Assunpção, as execuções podem ter sido planejadas por facções criminosas em represália ao Estado. Cíntia acredita que os assassinatos não tenham motivações pessoais com as vítimas. Em função das mortes e da Operação Epístolas, deflagrada pela Polícia Federal na semana passada, o Depen suspendeu as visitas por um mês nas quatro unidades federais do país – Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Mossoró (RN). A medida começou a valer na segunda-feira e se encerra em 28 de junho.
A investigação que originou a operação da PF identificou que um dos traficantes mais poderosos do país ligado ao CV, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, chefiava negócios de dentro da Penitenciária Federal de Porto Velho. O contato dele com o mundo externo ocorria por meio de bilhetes que enviava a familiares e advogados. Imagens da unidade prisional mostram a troca de bilhetes entre Beira-Mar e outros presos. Os papéis eram amarrados em cordas improvisadas a partir de lençóis.
– A suspensão das visitas tem uma série de razões. A própria operação da Polícia Federal que evidencia fragilidades (no sistema) e a morte da psicóloga Melissa e dos outros agentes. No inquérito que investiga a morte do agente Alex (em setembro), há evidências de que foi uma execução orquestrada por uma facção criminosa.
Clima de luto e medo nas unidades federais
A Polícia Civil de Cascavel deu início à investigação da morte de Melissa e repassou o caso à Polícia Federal. Há suspeita de que a execução tenha sido encomendada pelo PCC. Uma casa que estava sendo usada pelos criminosos havia 15 dias em Cascavel foi descoberta pela apuração. Três suspeitos foram presos e dois foram mortos (um na troca de tiros com o marido da vítima e outro no confronto com a polícia quando a casa foi descoberta).
– É um momento muito difícil. Tudo leva a crer que foi algo relativo a um ataque ao Sistema Penitenciário Federal. Significa que as penitenciárias têm cumprido seu papel. Se as penitenciárias não estivessem isolando presos, não teria uma ação dessas organizações criminosas. Diria que o sistema penitenciário federal é o último elo do Estado em combate às facções.
Embora os protocolos de segurança sejam cumpridos com rigor por todos os funcionários, o Depen admite que há clima de luto e medo e que é preciso aperfeiçoar os mecanismos do Estado no combate às organizações criminosas.
O perigo do intercâmbio das facções
Para o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) na Capital, Sidinei Brzuska, acostumado a lidar com integrantes de facções criminosas com atuação exclusiva no Estado, a construção de uma penitenciária federal requer atenção para que não ocorra intercâmbio e conexão entre as facções, expandido o crime organizado.
– Ainda não tenho uma leitura muito clara de onde o Brasil quer chegar, pois o sistema federal não está servindo para derrubar facções – avalia o juiz.
Para o analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Guaracy Mingardi, a construção da penitenciária em Eldorado não significa ameaça ao Estado. Como as lideranças criminosas presas serão de outras unidades da federação, o perigo maior está na inclusão de um líder gaúcho dentro do sistema federal.
– Os Estados não sabem o que fazer quando o preso retorna para o sistema prisional estadual. Na unidade federal, fica por dois anos, depois volta com uma ideologia nova, com prestígio e cai no meio da massa.
Um exemplo é Jackson Rodrigues, o Nego Jackson, líder de uma facção gaúcha preso no Paraguai no início do ano e que está na Penitenciária Federal de Campo Grande. O delegado Arthur Raldi, que participou da captura, afirma que alianças podem ocorrer independentemente da prisão em Eldorado.
– Lá onde estavam, no Paraguai, tinham contato com essas organizações. Não é a penitenciária que vai impedir. Qualquer casa prisional deveria ser comemorada, e a federal tem um nível de segurança muito maior – defende o delegado.