A família Kucera, uma das mais tradicionais de Bagé, teria parte de seu integrantes envolvidos com jogo ilícito, segundo investigações da operação Deu Zebra, conduzida pela Polícia Civil. O clã levou salas de cinema a Bagé, das quais são donos ainda hoje, além de ter concessão de rádio. O chefe Mário Kucera, o MK, supostamente atua no ramo há pelo menos 20 anos e é considerado pela polícia o segundo maior bicheiro do Estado.
No centro da cidade, os apontadores de Kucera circulariam com as máquinas eletrônicas de registro de apostas pelas calçadas ou esperam pelos clientes em bancas de jogatina. Ele também dominaria pontos em Santana do Livramento, Rosário do Sul, Caçapava do Sul, São Gabriel e Santo Ângelo, entre outras cidades.
O bunker de MK fica em um prédio no centro de Bagé, onde ele tem a sua residência e escritório. No térreo, uma banca de bicho é supostamente gerenciada por um de seus homens de confiança, que atua também como vigia. Como o lugar é protegido por seguranças armados e MK é prestigiado na comunidade local, a polícia está usando um helicóptero para garantir a segurança do cumprimento dos mandados em Bagé. Todos os presos serão conduzidos pela via terrestre para Santana do Livramento, base da operação.
MK teria herdado a banca do pai. A filha dele, que teria movimentado R$ 7 milhões não declarados, e outros parentes estariam envolvidos com o negócio.
MK disse ao telefone, segundo escutas realizadas pela Polícia Civil, chefiar mais de 500 pontos de jogo do bicho. Ele contaria com 60 motoqueiros responsáveis pelos recolhimento diário de dinheiro. Somente em Bagé, somaria mais de 200 máquinas eletrônicas de jogo.
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O suposto bicheiro não usa contas bancárias em seu nome e deixou de declarar imposto de renda entre 2011 e 2014. A Polícia Civil registrou no inquérito que, somente a partir da análise das escutas telefônicas, ele teria comandado a movimentação de mais de R$ 5 milhões. O chefe emitiria ordens por telefone para que sua equipe depositasse dinheiro nas contas de terceiros, que cederiam cartões e senhas a ele.
Os saques seriam efetuados posteriormente. Para lavar a fortuna que circula pelo seu negócio, usaria principalmente duas lotéricas da Caixa Econômica Federal em nome de laranjas – a Trindade Loterias e a PR Dias –, além da Papelaria Catarinense, loja credenciada do Banrisul com uma banca de bicho conjugada. Nos grampos, MK teria assumido por diversas vezes o papel de proprietário dos estabelecimentos.
A Trindade não declarou imposto de renda em 2012, 2013 e 2014. Já em 2011, registrou movimento de R$ 71,2 mil. Mas, nas suas contas bancárias, a investigação da polícia, com apoio do Coaf, verificou a circulação de R$ 243 milhões entre 2011 e 2016. Expedientes semelhantes foram utilizados nas outras duas empresas de lavagem utilizadas por Kucera. A partir dos relatórios, seria possível verificar que MK e suas lojas teriam movimentado R$ 480 milhões não declarados de origem do jogo do bicho.
– Bagé é um caso diferenciado e ganhou esse título de Las Vegas dos pampas – diz a delegada Ana Tarouco, se referindo à atuação ostensiva dos bicheiros na cidade.
Viciado em jogo entregou a casa para bicheiro
Mais um traço perverso do jogo de azar foi desvelado pela investigação na banca de MK em São Sepé. Um jogador irrefreável acionou o seu advogado para negociar com o barão: ele queria transferir uma casa ao bicheiro como forma de adquirir mais créditos para continuar apostando. O advogado sugere ao bicheiro, inicialmente reticente com a ideia, de que o imóvel pode ser usado como novo ponto de jogatina.
– É compulsivo em jogo do bicho, joga R$ 3 mil, R$ 4 mil por dia. (...) Não tem casa mais central na cidade do que a dele. Ponto maravilhoso. (...) O senhor não precisa usar dinheiro. Ele quer jogar no bicho. Faz um vale com ele e libera uma entrada de R$ 50 mil para ele jogar no bicho. (...) Eu ajeito o negócio para o senhor. O senhor dá uma autorização para ele jogar no bicho e o senhor paga a casa dele assim – diz o advogado, que acaba convencendo o bicheiro.
Em outra conversa, o próprio jogador pergunta a MK se ele pode providenciar os papéis da transferência da propriedade. O bicheiro, habituado a não registrar nada em seu nome, diz que não haverá nenhum documento.
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CONTRAPONTO
O que diz o advogado Décio Lahorgue, defensor de Mario Kucera:
Lahorgue declarou que o seu cliente é apenas empresário do jogo do bicho "há muitos anos". O advogado negou também que o seu cliente utilize lotéricas da Caixa Econômica Federal para lavar dinheiro da jogatina.
– Na verdade, ele (Kucera) tem banca de jogo do bicho. Mas aquele patrimônio, aquilo tudo que dizem é uma ficção. Tem coisas arroladas na investigação de quando o Mario Kucera era criança ou sequer era nascido. Essa investigação está cheia de falhas. Ele tem jogo do bicho e só, mais nada – afirmou Lahorgue.
O que diz a defesa de Marcos Dierka:
Zero Hora não encontrou, até o momento, a defesa de Marcos Dierka, preso por suspeita de chefiar a banca de São Gabriel. A Polícia Civil informou que Dierka ainda não constituiu advogado junto às autoridades.