Repousada sobre o ombro direito, a mecha de cabelo preto da hamburguense Bárbara Hoelscher, 25 anos, não esconde a vermelhidão na pele decorrente da agressão que sofreu em 10 de novembro de 2016. As feridas, na verdade, transformaram-se no incentivo para a família não desistir de buscar sua internação em um hospital especializado em queimados. Naquele dia, a violência da briga com o ex-namorado extrapolou todas as anteriores, e a jovem se viu lutando para apagar as chamas que queimavam quase metade do seu corpo. O desentendimento aconteceu no imóvel onde o casal morava, em Lindolfo Collor, no Vale do Sinos.
Depois de 73 dias internada na UTI do Hospital Municipal de Novo Hamburgo, com queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus em 46% do corpo, ela recebeu alta em 23 de janeiro, contrariando a vontade da família e se tornando vítima pela segunda vez. Agora, do poder público. No documento que a libera da casa de saúde, assinado por um médico cardiologista, consta que a paciente corria risco de morte e de complicações.
– Médicos de fora nos dizem que ela não poderia estar em casa, pois precisa de atendimento especializado, o qual não estamos recebendo. Nem acompanhamento psicológico ela tem – reclama o pai, Nédio Hoelscher.
Os familiares irão representar judicialmente contra o hospital por negligência médica. Um dos motivos é o fato de ter sido mantida na casa de saúde, privando de receber atendimento especializado na Capital.
– Se não são referência, por que insistiram em permanecer com ela e não se curvaram diante da hipótese de ser melhor atendida em Porto Alegre? – questiona o pai.
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Nédio conta que está tendo de arcar com todos os custos da recuperação, com exceção das ataduras que a família recebe do hospital, porém em quantidade insuficiente. Após a alta da filha, e orientado por médicos particulares, ele busca com o hospital desde o dia 10 de fevereiro um laudo que garantiria a internação em uma casa de saúde especializada, mas reclama que o hospital não o fornece com as especificações necessárias, como porcentagem do corpo queimado e grau de gravidade.
– Só recebem a Bárbara se o Hospital Municipal indicá-la, já que estava internada e ainda recebe atendimento ambulatorial – explicam os advogados.
Em resposta às reclamações de negligência, a Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo disse apenas que a alta e a conduta terapêutica são atos médicos contidos no prontuário, e que o laudo que garantiria a Bárbara uma nova internação já foi fornecido. Também argumentou que o "hospital presta o atendimento de acompanhamento médico à usuária" e que ela "foi incluída no Programa Melhor em Casa, que presta atendimento com equipe de acompanhamento, incluindo psicólogo, fisioterapeuta, técnica de enfermagem, enfermeiro e médico".
A família nega frontalmente a existência de qualquer ajuda além da consulta semanal que acontece no hospital. Inclusive, o pai da hamburguense afirma ter contratado uma enfermeira particular para dar banho e fazer a troca dos curativos diariamente. Através de uma amiga, ele conseguiu uma psicóloga voluntária que visita Bárbara em casa.
"Ele colocou inseticida na minha boca"
Denunciado pelo Ministério Público, o ex-namorado de Bárbara, Igor Rafael Schönberger, 23 anos, foi preso preventivamente e recolhido ao Presídio Central em 23 de fevereiro acusado de tentativa de homicídio quadruplamente qualificado (motivo fútil, recurso que dificultou a defesa da vítima, meio cruel e tentativa de feminicídio). Ele foi pego em uma operação da Delegacia de Capturas do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) em um sítio na cidade de Imigrante, no Vale do Taquari, onde estava escondido há mais de 90 dias.
Bárbara conta que, em 10 de novembro, os dois tiveram uma discussão por volta das 22h, quando foi surpreendida, depois de ser agredida fisicamente, por um jato de inseticida na sua boca. Em seguida, ele teria jogado água sanitária no seu corpo e ateado fogo.
– Ele colocou inseticida na minha boca. Eu disse: o que é isso, Igor? E ele respondeu: não vai calar a boca? Daí me tocou água sanitária. Então, eu peguei o vidro de álcool e disse assim: o que tu vai fazer agora? Vai me matar? E fiz assim (borrifou álcool em si). Ele se virou para a gaveta onde estavam os fósforos. E como eu sabia que estavam ali e vi que ele iria fazer alguma coisa, saí correndo em direção ao banheiro. Nisso, ele riscou (o palito) – relembra.
As chamas foram contidas debaixo do chuveiro, no momento anterior à correria para chegar ao hospital de Ivoti, de onde foi transferida ainda na madrugada para Novo Hamburgo. Em seu relato, Bárbara enfatiza que, no trajeto para o hospital, ele já havia ameaçado cometer suicídio, e que, portanto, tentou acalmá-lo dizendo que não contaria como de fato as coisas aconteceram, livrando-o da prisão em flagrante:
– No hospital, perguntaram como aconteceu, e o Igor disse que eu tinha me jogado fogo – conta Bárbara.
Somente quando o irmão mais velho chegou à instituição, a jovem conseguiu desabafar:
– Foi o Igor – relatou ao familiar.
Ela lembra ainda que um policial, acionado pelos profissionais da casa, perguntou se gostaria de representar contra Igor. Ela disse que não.
– Eu não sabia o que é representar – explica.
Medo da reação dos pais manteve agressões em segredo
No quarto de casa, onde recebeu a reportagem, ela disse que as agressões anteriores foram mantidas em segredo por receio da reação dos pais e por gostar do então companheiro, com quem namorava há 1 ano e 8 meses. Mais do que remoer o que aconteceu, Bárbara quer dar um conselho para as mulheres que não têm a coragem que ela teve ao revelar o que de fato aconteceu:
– Não deixem chegar a isso. Não aceitem nenhuma voz mais alta de um homem. Se eu tivesse denunciado na primeira vez, talvez não estivesse assim.
O amor que nutria por Igor, Bárbara diz ter deixado no hospital de Ivoti, quando ouviu ele se eximir da culpa:
– O sentimento que eu tinha acabou quando ele disse que fui eu que fiz. Eu perdoo porque Deus diz que tem que perdoar, mas eu não tenho mais sentimento nenhum. No momento que ele disse isso no hospital, me vendo lá, acabou para mim – diz.
Se a vermelhidão da pele e as cicatrizes sobressalentes lhe trazem à memória o terror daquela noite, alguns sentidos também a fazem refém do passado recente. O cheiro de álcool é um exemplo.
– A mãe colocou no banheiro álcool em gel para quem vinha me visitar, mas eu não aguentava. Quando a pessoa entrava, me dava um pavor – recorda.
DEFESA QUESTIONA PRISÃO PREVENTIVA
O advogado de Igor, Rodrigo Silveira da Rosa, disse que não revelaria a tese de defesa, mas questiona a necessidade da prisão preventiva decretada pela Justiça alegando que o seu cliente não oferece risco para Bárbara e seus familiares e que medidas protetivas seriam suficientes. Ele entrou com um pedido de habeas corpus, negado em sede liminar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 15 de fevereiro. O advogado aguarda o julgamento do mérito.
FORMAS DE AJUDAR
Quem quiser ajudar a família nos custos do tratamento, pode fazer doação por meio deste site ou entrando em contato pelo telefone (51) 99137-3025