A sentença inédita no Rio Grande do Sul, que determinou ao Estado, na última quinta-feira, que indenize um apenado da Cadeia Pública – antigo Presídio Central – por danos morais em decorrência das condições precárias da prisão, deve abrir uma enxurrada de ações semelhantes. Pela decisão da 4ª Vara da Fazenda Pública, o apenado Carlos Aldair de Souza Cardoso, 40 anos, que tem condenação a 14 anos por homicídio e está no Presídio Central desde 2011, deve receber R$ 5 mil.
O advogado autor da ação judicial, Rodrigo Rollemberg Cabral, projeta ingressar com até 3 mil processos semelhantes até o final deste ano. Se todos os casos tiverem ganho de causa e indenização no mesmo valor, o prejuízo aos cofres públicos pode chegar a mais de R$ 15 milhões. É como se, em apenas um ano, o Rio Grande do Sul tivesse de gastar quase tudo o que foi investido na construção da primeira unidade do Presídio de Canoas – R$ 17,9 milhões – para ressarcir os presos mantidos nas atuais cadeias gaúchas.
– Em todas as ações, as provas são substanciadas com os relatórios feitos pelo Judiciário e as sentenças de interdição das casas prisionais, em especial o Presídio Central. A situação desumana com que as penas são cumpridas é notória – argumenta o advogado.
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Até o começo da tarde desta sexta-feira, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) ainda não havia sido notificada da decisão. A assessoria de imprensa do órgão assegura, no entanto, que recorrerá. A estratégia deste recurso, no entanto, só será definida quando os procuradores tiverem acesso ao inteiro teor da sentença. A Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) ainda não se manifesta sobre o assunto.
O processo que resultou na sentença da última quinta teve início em 2015, e ganhou fôlego quando, em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um caso semelhante, do Mato Grosso, que tramitava desde 2003. Naquela decisão, com repercussão a outros tribunais do país, foi definido que é responsabilidade somente do poder público garantir condições dignas para o cumprimento da pena.
Em sua decisão, a juíza Rosana Broglio Garbin foi ainda mais enfática: "O Estado, ao longo dos anos, vem se omitindo em garantir condições mínimas de habitabilidade e higiene nos presídios. No atual sistema carcerário não há condições de ressocialização dos apenados, na verdade, sequer há condições mínimas de sobrevivência".
A própria juíza sentenciou o Estado a abrir novas vagas no sistema em 2009, sob pena de multa de R$ 25 mil diários. A decisão não foi cumprida. "De lá para cá, a situação só piorou", relata a magistrada.
Conforme a Susepe, o déficit prisional do Rio Grande do Sul é de 11 mil presos.
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O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS
Rafael Custódio, coordenador de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos:
"Essa decisão precisa ser aplaudida, porque restabelece o que está previsto na legislação. Cabe ao Estado garantir as condições mínimas à população carcerária. Portanto, ele é o único responsável pelas violações dos direitos básicos dessa população.
Chegamos ao ponto de indenizar os presos por um reflexo da opção que o poder público no Brasil de encarcerar sem critérios e garantias de direitos. No caso do Presídio Central, esse quadro é notório, inclusive com denúncias de órgãos internacionais.
A única saída possível é esvaziar aos poucos as atuais cadeias e desencarcerar autores de crimes sem violência. Criar mais presídios nunca preveniu a violência."
Gustavo Caleffi, consultor de segurança:
"Essa decisão legitima uma inversão de valores. Agora, além de ter agido errado ao cometer um crime, o delinquente ainda pode ganhar um direito a mais. Só estimula a ideia ao criminoso de que vale a pena cometer o crime. É quase um incentivo.
Mas é reconhecido que o atual sistema penitenciário não tira ninguém do crime. É responsabilidade do Estado melhorar a estrutura dos presídios."