O roubo de carros já foi fortemente associado ao crime organizado. Mas são ladrões inconsequentes e sem experiência que estão impulsionando a alta desse tipo de delito em Caxias do Sul. São bandidos que primeiro cometem o roubo e, só depois, pensam no que fazer com o veículo. Entender como esses criminosos agem e planejam os ataques são fundamentais para que a população saiba como se proteger.
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Para a Polícia Civil, a banalização dos roubos de veículos é uma das explicações para o aumento de 55% dos ataques em cinco anos. De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), em 2016 foram registrados 976 roubos de veículos em Caxias, 346 a mais que em 2012, por exemplo. O dado é ainda mais assustador quando analisado junto aos casos de latrocínio: nos últimos três anos, sete dos 16 assassinatos cometidos por assaltantes ocorreram no momento em que as vítimas estavam nos veículos ou se preparavam para embarcar ou desembarcar.
O caso mais recente foi o da servidora pública Eliane Stedile Busellato, 48 anos, morta no bairro Bela Vista no domingo passado.Essa mudança de perfil é notada até mesmo pelos criminosos que antes viam no roubo de veículos uma maneira de ganhar mais dinheiro. Entre os agentes da Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec) é famoso o depoimento de um antigo ladrão que explica a situação. Na ocasião, o criminoso reclamou do "mercado" inflacionado.
– Antigamente roubar carro dava dinheiro. Mas hoje tem muita gente roubado e os preços caíram. Está difícil colocar carros no mercado. Por isso comecei a furtar e vender estepes de caminhonetes. Dá mais dinheiro e a pena é menor – apontou o homem.
Um dos motivos para esta mudança é o avanço da tecnologia. As chaves codificadas, por exemplo, dificultaram os furtos de veículos para a maioria dos ladrões que não possui uma técnica apurada. O maior exemplo é o uso de uma chave micha, que abre qualquer fechadura simples e, com batidas, é possível acionar o carro. Com as novas tecnologias, a chave só facilita o furto de carros antigos. Como o lucro com esse tipo de veículo diminuiu, os ladrões decidiram usar armas para render donos de veículos novos e mais valiosos, o que às vezes termina em tragédia.
A segunda questão é a ostentação do crime. Antes, o ladrão de carros queria juntar dinheiro e frequentar bons restaurantes. A atual geração de criminosos gosta da fama. A violência é considerada uma forma de ser respeitado. Os vídeos com armas divulgados em redes sociais são uma prova disso.
– O agente do roubo é um inconsequente que quer fazer o dinheiro para necessidades imediatas, como comprar drogas para uma festa ou pegar um ônibus para a praia. Aí que reside o problema e vemos a violência exagerada. Geralmente estão drogados e despreparados. Não tem nem noção da pena de latrocínio. A ficha deles só cai após a sentença de 20 anos – relata o delegado Mário Mombach, chefe da Defrec.
O CONTATO - De acordo com as investigações da Polícia Civil, os mentores de tantos roubos de carro são assaltantes que costumam passar o dia na rua ou em bares fazendo contatos. As informações do "mercado" são repassadas de maneira informal. Por exemplo: dois homens podem organizar um assalto apenas por terem ouvido que há alguém interessado em adquirir um veículo roubado. Para fazer o crime em parceria, os ladrões não precisam se conhecer, basta saber o apelido e de onde vêm. Esta informalidade, inclusive, seria benéfica numa investigação policial. Como não se conhecem de fato, não seriam capazes de fornecer informações precisas do comparsa. Com esse conhecimento básico, os ladrões pegam em armas e vão às ruas até encontrar o carro para roubar.
O DINHEIRO -
– Por que tu roubou?
– Para fazer uma grana.
Esta é a resposta ouvida por policiais em 90% das prisões por roubo de veículo. O ladrão não é articulado ou sequer tinha uma preparação prévia. Apenas teve um objetivo e precisava de dinheiro. A forma mais fácil de conseguir? Roubar um carro.
– É um inconsequente que não pretende construir patrimônio no crime ou fazer parte de uma facção. O fim é imediato ao roubo. Uma vontade básica. O destino do carro fica, para um segundo momento, quando ele vai acionar um outro criminoso, legalmente chamado de receptador – diz Mombach.
O ATRAVESSADOR -
Consegui (roubar) um Civic, tem algo para mim? Após cumprir a primeira parte do "plano", que era roubar um carro, este ladrão inconsequente telefona para um bandido mais experiente. Geralmente, é alguém que conhece diversos ramos do crime – como traficantes, receptadores, donos de desmanches e até assaltantes de bancos. Este bandido não quer o carro, mas pode saber quem quer. Quanto mais elevado no crime, menos o criminoso quer se envolver com ladrões de carro. Daí a importância do atravessador, que é alguém de confiança e conhecido de muitos criminosos, geralmente, por ter cumprido penas em presídio.
– É um bandido mais velho, mais experiente, mais articulado e com mais conhecimento. O inconsequente rouba o carro, liga para este bandido maior, avisa que está com um carro e pergunta "O que tem para mim?". Se o carro for "quente", este atravessador responde "Dá na minha mão que te consigo tanto" – aponta Mombach.
Porém, também acontece deste atravessador não ter oferta. Assim, o que resta ao ladrão é livrar-se do carro. Para garantir um lucro mínimo, levam rodas, baterias e outros acessórios.
– Por isso que, às vezes, carros considerados bons são roubados e, mais tarde, aparecem abandonados. É a lei de mercado. Se aparece um boato que algum criminoso grande está querendo caminhonetes, estes "chinelos" vão sair a procura de caminhonetes. É possível ver picos de um modelo de carro. Porém, a oferta acaba e o "chinelo" simplesmente não tem o que fazer com a caminhonete – explica o chefe da Defrec.
OS OUTROS CRIMES -
Muitos dos carros roubados são utilizados em outros crimes, principalmente roubos. Para assaltar um mercado, por exemplo, alguns bandidos roubam um carro dias antes para garantir a fuga. Há casos também em que os ladrões só vão arranjar um carro de fuga após cometer o assalto. O mesmo pode ocorrer em casos de homicídios, principalmente quando a execução foi encomendada por um traficante ou líder de facção.Em crimes de maior complexidade, como assaltos a bancos, os assaltantes costumam escolher o carro de acordo com a potência do motor ou um modelo que chama menos atenção. Para isso, trocam as placas para facilitar a circulação Após a realização do crime, geralmente, este veículos são encontrados abandonados ou incendiados.
A EXTORSÃO -
Os crimes de extorsão também são comuns após roubos de veículos. Este tipo de crime ocorre, principalmente, quando são encontrados documentos da vítima dentro do automóvel. Ao perceber a oportunidade, o receptador repassa para um comparsa que está recolhido em algum presídio. De lá, o criminoso liga e tenta tirar algum dinheiro da vítima para devolver o carro. Os órgãos policiais alertam sobre os riscos deste tipo de negociação e alertam que estes veículos não são devolvidos.
A FRAUDE -
Cada vez mais, a polícia encontra carros com placas clonadas. O criminoso procura por um registro de mesmo modelo, ano e cor e o duplica. A intenção é dificultar a identificação da fraude em uma fiscalização. Por vezes, os veículos originais são de outras cidades. As vítimas só descobrem pelo surgimento de multas em locais que nunca estiveram ou ao receber uma ligação da polícia questionando onde está o seu carro.
Há clonagens elaboradas e outras executadas de forma grosseira. As piores costumam ser adquiridas por outros bandidos, que sabem da falsificação e, assim, compram por menos da metade do valor do automóvel.
– Ele dizem que pegaram barato e que iriam usar até cair (ser pego pela polícia). Para este receptador, o legislador é extremamente complacente. Pena (mínima) de um ano não é nada para eles e, com o "esquema", podem pagar de bonitão na vila – aponta o delegado Mombach.
O GOLPE -
Outro esquema é a ação de estelionatários que vendem um veículo roubado e clonado como se fosse legal. O golpe é facilitado devido à desatenção das vítimas com as documentações e prazos necessários para uma transferência. Geralmente, o comprador é atraído por preços mais baratos. Com conversa apurada, os estelionatários inventam motivos para estarem vendendo em um valor pouco abaixo do mercado. Muitas vezes, os golpistas nem possuem o veículo que estão negociando e o encomendam com os receptadores, que fazem a informação se espalhar entre os ladrões.
O OUTRO LADRÃO -
Um destino conhecido de veículos roubados na Serra é são outros países como Paraguai e Bolívia. O alvo são caminhonetes e carros de luxo.
– Quando percebemos um pico de roubos de automóveis de luxo, fica claro a ligação. Estes automóveis possuem uma complexidade técnica e padrões diferentes, portanto exigem uma clonagem de qualidade. É organização criminosa superior. Os assaltantes mesmo estão em outro nível, com uma atuação especializada e um modo de operação sem aquela violência exagerada, que agride e humilha a vítima. Até no crime há uma "elegância" – comenta o chefe da Defrec.