Um agricultor de 54 anos alimentava os porcos no interior de Vera Cruz, no Vale do Rio Pardo, quando cinco homens, vestidos de touca-ninja, colete à prova de balas e portando espingarda, metralhadora e pistola, cercaram sua propriedade. Naquele momento, antes das 8h de quarta-feira, ele não sabia que o bando recém havia tentado interceptar uma carga de tabaco e se deu mal – teve o carro atingido pelo caminhão. Com o veículo em que estavam jogado para as margens (foto abaixo), eles se viram obrigados a fugir a pé.
Um quilômetro e meio distante do local do acidente, ocorrido na RSC-153, os criminosos depararam com a propriedade do criador de animais, que também planta fumo e mantém uma agroindústria de geleia. Mesmo oferecendo sua Kombi para que fugissem, o homem, que prefere não se identificar, foi obrigado a conduzir os criminosos até o interior de Barros Cassal. No meio do caminho, algo inusitado: o motorista-refém recebeu R$ 250 como recompensa pelas duas horas de "carona".
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Em entrevista a ZH, o agricultor conta o que viveu:
Como tudo começou?
Era umas 10 pras 8h, eu estava no galpão, tratando os porcos. Eles chegaram pelos fundos (da propriedade), onde tem uma trilha que só passa carroça ou cavalo. Dois me calçaram e três cercaram a casa. A preocupação deles era que ninguém percebesse eles aqui, mas minha esposa, meu filho e minha filha não estavam em casa. Eu não sabia o que tinha acontecido antes, mas percebi que estavam em fuga. Não tinham ideia de onde estavam. Parecia uns ninjas pulando.
Eles te ameaçaram?
Não, queriam um carro para fugir. Mas o meu estava na outra propriedade, a uns 150 metros dali. Eu disse que tinha só uma Kombi, mas que nem banco tinha, porque eu faço uns fretes e tirei os dois bancos de trás. Eles disseram que era até melhor pra eles, porque não queria ser vistos. Então ofereci a Kombi, disse que eles podiam levar. Mas eles não sabiam sair dali, não sabiam onde estavam, então me levaram junto.
Estavam armados?
Sim, bem armados. Os quatro que foram na caixa (parte de trás da Kombi) estavam com toucas ninja, colete à prova de balas e armamento pesado. Vi duas (espingardas) 12, uma metralhadora, uma pistola e outra que não sei, acho que era um rifle ou uma espingarda, mas não conseguir ver bem porque não me deixaram olhar muito. O que sentou comigo, do lado, estava com uma de calibre grosso.
Qual foi o trajeto que vocês fizeram?
Eles queriam ir pra RSC-287, saí eu disse que era em direção a Santa Cruz do Sul. Daí eles se antenaram, que era de lá que eles estavam vindo e devia ter polícia. Eles falaram em Soledade, Serra (do Vale do Rio Pardo), daí eu disse que era outro caminho, e fomos na direção da RSC-153. No caminho, eu vi a Brigada subindo em direção ao acidente, que eu nem sabia que tinha acontecido, mas despistei. Dei uma volta maior pra não passar pela Brigada, eles estavam com armamento pesado. A Brigada devia tá em uns dois ou três, com armas bem menores. Se desse confronto, a vítima seria eu. Até porque o chapéu de palha que eu tinha, o cara do meu lado pegou e meteu um boné na minha cabeça. Ele ia parecer refém, não eu.
Foram direto até a Serra?
Não. Eu disse pra eles: "Gurizada, não sei até onde vocês querem ir, não tenho muito combustível". Eles: "Quantos quilômetros tu consegue fazer?". Respondi: "Uns 15, 20". Eles pediram então um posto. Pouco antes do primeiro posto, me obrigaram a parar e deixar os quatro de trás num caminho de roça. O que estava comigo trocou armamento, pegou uma arma pequena, e foi comigo até o posto. Me deu um bolo com R$ 100, mandou não desligar a Kombi até terminar de abastecer. O cara do posto deve ter estranhado, porque voltei na estrada, pra buscar os caras, e depois passei de novo.
Então vocês foram pra onde?
Rodei uns 80 e poucos quilômetros. Pegamos uma estrada de chão em Barros Cassal que eles conheciam, estavam no chão deles. Andei cinco e a sete quilômetros, eles diziam "Vai devagar, não quebra a Kombi, porque tu que tem voltar". Mas eu sabia que no final ia sobrar uma balinha pra mim, que ali era o fim da linha pra mim. Achei que eram meus últimos minutos de vida. Mas daí nós chegamos num lugar, mandaram eu fazer a volta, eles desceram e falaram: "Volta tranquilo. Não vai pra polícia".
Eles te agrediram em algum momento?
Não. Nenhuma vez. No meio do caminho, ainda me dera R$ 250 em dinheiro. Eles tinham muito dinheiro. Me deram o dinheiro e disseram "Já que tu está fazendo essa viagem pra nós, vamos te pagar". Mesmo assim, achei que era só pra me acalmar, que uma hora iam me matar.
Tu pensou em fugir ou fazer algo para escapar?
Em duas horas eu pensei em fugir. A primeira, subindo a Serra, percebi que eu nem o cara do lado estávamos de cinto. Tive vontade de jogar a Kombi num barranco e pular. "Mas se não dá certo, ele me matam", eu pensei. A segunda foi no posto. Ele tava só com uma pistola e sozinho. Mas dai parei ali e fiquei encurralado pro lado da bomba. Além disso, só tinha dois frentistas. E ainda por cima eles podiam achar que eu era assaltante. Daí não me arrisquei. Era muito perigoso.
Depois que eles te liberaram, buscou ajuda?
Sim, andei uns 40 quilômetros e parei no primeiro posto. Lá, por sorte, já tinha um brigadiano com o caso na mão, que sabia de tudo. Daí que eu fiquei sabendo do que tinha acontecido antes.