O calote aplicado por um agiota abalou a economia de São Francisco de Assis, cidade de 27 mil habitantes na região central do Estado. Mais de 400 pessoas podem ter sido vítimas de um esquema que movimentou entre R$ 15 milhões e R$ 25 milhões, segundo cálculos das vítimas. A fraude foi revelada neste domingo pelo Fantástico, em reportagem da RBS TV.
Do carroceiro ao médico da cidade, os investidores aplicaram dinheiro em uma financeira de fundo de quintal que fechou as portas sem devolver os valores.
– Estava viajando e me ligaram: ó o homem fugiu, não vai pagar mais ninguém – lamenta o comerciante Aldacir Vicheti, que perdeu R$ 300 mil.
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O dono da financeira é Luis Fábio Mendes Ramos, 61 anos, um ex-bancário da cidade que oferecia rendimentos acima da média de mercado. No começo, tudo ia bem. Os juros pagos por Ramos eram complemento de renda para muita gente.
– Ele pagava os juros direitinho. Todos os meses tinha aquele dinheiro – afirma a aposentada Anair Saldego Ben.
Antes de abandonar a casa e deixar a cidade em junho do ano passado, Ramos distribuía sorrisos, cumprimentava as pessoas na rua e até fazia parte de um grupo de igreja que pregava o bem entre as pessoas. Estava acima de qualquer suspeita.
– Um homem religioso, cursilhista da Igreja Católica, conhecido pela comunidade, de família tradicional e de muito respeito – diz o radialista Carlos Bisso, que perdeu R$ 80 mil.
Até familiares e o padre da cidade foram enganados, revela o aposentado César Azambuja, primo de Ramos, que investiu R$ 60 mil e perdeu tudo.
– O Luis Fábio era uma pessoa conceituada na sociedade aqui em São Francisco – afirma Azambuja, que também era cursilhista da igreja.
Ele se tornou presidente de uma espécie de associação criada pelas vítimas para tentar reaver o dinheiro. Na última semana, cerca de 130 pessoas lesadas se reuniram no CTG de São Francisco de Assis para compartilhar suas histórias. Feito pela rádio, o chamamento atraiu para o local o prefeito e o presidente da Câmara de Vereadores. Eram jovens, idosos, cadeirantes e até pessoas a cavalo lamentando as perdas financeiras.
Caso do aposentado Manoel Freitas, 78 anos, que investiu R$ 22 mil no negócio. Com os juros que recebia de Ramos, pagava os remédios e uma cuidadora para a mulher, que sofreu uma isquemia. Na chegada ao CTG, contou que vai vender o animal, meio de transporte que usa para se deslocar.
– Vou vender por causa dos remédios! Se esse homem não nos paga, não tem condições de manter nem o cavalo – contou.
Família perdeu R$ 900 mil
O maior prejuízo foi da família Jornada, que vendeu R$ 900 mil em terras e investiu tudo na financeira.
– Parte veio da minha herança, que é o campo que vendi, parte veio da minha rescisão de trabalho, 20 anos de trabalho. Fui colega dele de banco 20 anos atrás. Muito amigo, conhecia ele bastante, tinha confiança nele – conta o aposentado João Jornada.
Com o golpe à economia de São Francisco de Assis, que tinha se adaptado à ilusão criada pela financeira, estima-se que R$ 500 mil circulavam por mês no comércio da cidade, só em juros pagos por Ramos aos investidores.
– Tivemos uma diminuição de venda em virtude de tantas pessoas envolvidas nisso. Todo o comércio de São Chico, não só no nosso ramo, todo mundo teve queda nas vendas – afirma o comerciante José Airton Correa, dono de uma loja de calçados e confecções.
Por consequência, a arrecadação de impostos da prefeitura também sofreu queda. Depois de dar o calote, Ramos foi morar em Santa Maria, a 140 quilômetros de São Francisco de Assis. Lá, foi fotografado na fila de uma agência bancária. A equipe da RBS TV descobriu o endereço dele na cidade, mas ele não foi localizado.
Dois inquéritos investigam o caso. Um deles, em São Francisco de Assis, está parado porque a delegacia só tem uma policial de plantão. Os outros estão em férias ou deslocados para a operação verão. Já a Polícia Civil de Santa Maria, onde o suspeito também fez vítimas, pediu à Justiça o bloqueio de bens e a quebra de sigilo bancário de Ramos, da mulher dele e dos três filhos.
– É um volume grande de dinheiro que simplesmente desapareceu. Acreditamos que ou houve o investimento em patrimônio ou está aplicado em algum local. É o típico estelionatário – afirma o delegado Carlos Gonçalves.
Contraponto
O que diz Daniel Tonetto, advogado de Luis Fábio Mendes Ramos
Procurado, Ramos não quis gravar entrevista, mas o advogado Daniel Tonetto diz que a financeira simplesmente quebrou e nega ter havido má-fé.
– Em hipótese alguma ele organizou, ele pensou em dar golpe. Ele, infelizmente, quebrou, teve problema nos negócios e vai fazer o possível durante esse período pra ver se consegue pagar essas pessoas – alega Tonetto.