Teve início nesta quarta-feira (23) o julgamento do servidor público federal Ricardo Neis, acusado de atropelar ciclistas que participavam do movimento Massa Crítica em 25 de fevereiro de 2011, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. A Neis, são atribuídos os crimes de tentativa de homicídio e lesão corporal.
O julgamento, na 1ª Vara do Juri de Porto Alegre, teve início pela manhã e se estendeu até o início da noite. Foram ouvidas 10 vítimas do atropelamento e duas testemunhas arroladas pela defesa do réu durante a sessão presidida pelo juiz Maurício Ramires.
As vítimas iniciavam o depoimento fazendo um relato do que presenciaram na noite do fato e, na sequência eram questionadas pelos promotores de Justiça Eugênio Amorim e Lúcia Helena Callegari. Os representantes do Ministério Público fizeram perguntas como em que ponto da pedalada a vítima estava, se os ciclistas foram agressivos com Neis, quais lesões sofreram e se era possível ver o carro se deslocando em direção aos ciclistas. Mostravam, também, um vídeo do atropelamento, pedindo que as vítimas tentassem se localizar nas imagens.
Em seguida, o advogado de defesa Manoel Castanheira fazia as perguntas entre elas, se a vítima estava processando Neis na esfera cível, se ela precisou ficar sem trabalhar por conta das lesões e se os ciclistas cercaram o carro do acusado.
"Ele estava muito brabo. Quando vi, tinha um monte de bicicleta voando. Foi uma atrocidade", relatou a segunda vítima a depor, ainda pela manhã.
O delegado Gilberto Montenegro, que investigou o caso na época e indiciou o réu por tentativa de homicídio doloso, quando assume o risco de matar, prestou esclarecimentos como testemunha de defesa. O depoimento foi um pouco confuso. O policial, agora aposentado, lembrou de ter indiciado o réu, mas não de ter ouvido Ricardo Neis.
Logo após, o perito Wilson Júnior, que atuou no caso, foi chamado, mas não pode prestar depoimento na condição de testemunha. Perguntado pelo magistrado se a defesa tinha interesse em ouvi-lo como informante, o advogado disse que não e a testemunha foi dispensada.
O último a falar foi o advogado especialista em Direito de trânsito e mobilidade urbana Sérgio Luis Peroto, que respondeu a perguntas sobre leis de trânsito e sobre o que via de irregularidades praticadas pelos ciclistas e pelo réu. Disse que os ciclistas estavam sem espelhos e equipamentos de proteção e que deveriam ter avisado os órgãos de trânsito para fazer a manifestação. Sobre Neis, entrou numa discussão com o promotor Eugenio Amorim sobre se estava certa a atitude do rei naquele momento. Disse que não, mas que presenciou casos muito piores do que esse.
Defesa e acusação saíram satisfeitos com os depoimentos das testemunhas.
"As vítimas, algumas delas, demonstraram pessoas pacatas, pessoas do bem, o que afasta complemente possibilidade de que o réu sofresse algum risco à sua integridade. Foi dito por todas as testemunhas já num primeiro momento que poderia haver criança mais adiante, o que agrava a situação", afirma o promotor Eugênio Paes Amorim.
"Mostraram a dignidade do movimento 'Massa Crítica' e a barbárie que foi praticada pelo Ricardo Neis, que simplesmente esqueceu que pessoas são pessoas e passou por cima delas. A sociedade gaúcha está vendo a realidade dos fatos, que já foi trazida com as cenas dos fatos e hoje as pessoas ouvidas só vieram colaborar com o que aconteceu. Trata-se de uma pessoa extremamente egoísta, que não está preocupada com ninguém", sustenta a promotora Lúcia Helena Callegari.
"A prova toda, mesmo da acusação e da defesa, ela é muito granítica, ela é muito maciça. E isso facilita do advogado e dos promotores", destaca o advogado Manoel Castanheira.
Em entrevista à Zero Hora, Ricardo Neis disse que após o atropelamento deixou de usar bicicleta por ser perigoso.
"Uma situação que eu poderia, se tivesse sido feito tudo corretamente com aviso de manifestação, não haveria problema nenhum. Mais cedo ou mais tarde outro cidadão de Porto Alegre se viria numa situação dessas", disse o bancário.
O Tribunal do Júri é formado por sete pessoas da sociedade civil, sorteadas entre 25. Elas podem decidir por condenar o réu por tentativa de homicídio simples, tentativa de homicídio qualificado e lesões corporais ou absolvê-lo.
O julgamento prosseguirá nesta quinta-feira, às 9h, com interrogatório do réu e os debates orais, em que acusação e defesa apresentam seus argumentos. Na sequência, os jurados passam para uma sala reservada onde respondem ao questionário. A pena fica a cargo do juiz. Se o Júri decidir pela absolvição, o magistrado determina a soltura imediata do réu.