O terrorismo não faz parte da lista dos muitos flagelos que atormentam o Brasil. Mas, em julho deste ano, uma ação da Polícia Federal (PF) neutralizou o que parece ser o núcleo de um grupo que defendia, prometia e planejava atentados no país, em apoio à organização extremista muçulmana Estado Islâmico (EI). Os principais alvos, cogitados em centenas de mensagens trocadas pelos suspeitos, eram judeus, maometanos de seitas minoritárias e turistas de países que participariam da Olimpíada do Rio.
A Divisão Antiterrorismo da PF, criada há duas décadas e que inclui muitos policiais com cursos e atuações no Exterior, chegou aos nomes de 65 brasileiros admiradores do EI a partir de informações repassadas pelo FBI (Polícia Federal dos Estados Unidos). O FBI fez uso de dados captados pela National Security Agency (NSA) americana, que analisa comunicações telefônicas e telemáticas (mensagens) em todo o mundo. Essa agência de contraespionagem é a mesma que monitorou de forma polêmica telefonemas da presidente Dilma Rousseff anos atrás (e gerou um pedido de desculpas do governo americano). A NSA descobriu que vinham do Brasil milhares de acessos diários a sites simpáticos aos fundamentalistas degoladores do Oriente Médio.
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Policiais federais se infiltraram no grupo
O governo dos EUA e adidos da PF na Europa conseguiram endereços de IP de computadores e números telefônicos, por meio dos quais os federais puderam se infiltrar na rede de aspirantes a terroristas tupiniquins.
Nos planos do grupo, mensagens e imagens trocadas surpreenderam até os mais experientes policiais. Alguns dos extremistas falavam em usar armas químicas nos jogos do Rio. Prometiam fazer um pogrom (limpeza étnica) contra os kaffir (infiéis), incluindo muçulmanos xiitas e americanos. Teciam planos de contaminar as águas de uma estação de abastecimento no Rio. Comemoravam e trocavam entre si fotos de mutilações cometidas pelo EI e juravam que fariam o mesmo. Ensinavam a fazer bombas recheadas com vidro, para causar mais dor. Pregavam degola e guerra civil no Brasil.
Tudo isso convenceu o juiz Marcos Josegrei da Silva, titular da 14ª Vara Federal de Curitiba, a ordenar a prisão de 12 integrantes do grupo extremista brasileiro (os mais ativ os na internet) às vésperas da Olimpíada. Outros quatro seriam capturados dias depois. Sete continuam detidos, os demais ganharam liberdade vigiada.
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Planos extremistas falavam em "agir"
Muita gente falou em "exagero" por trás dessas prisões, pois o Brasil jamais foi alvo do terrorismo islâmico. Contribuiu para essa sensação entrevista do ministro da Justiça, Alexandre Moraes, que badalou seu papel nas prisões.
Mas, afinal, os 16 presos iriam cometer os atentados? Talvez eles próprios não saibam se chegariam a tal extremo. O que fica claro é que pensavam, falavam e tramavam isso. ZH teve acesso a mais de 300 páginas de documentos judiciais sobre esses simpatizantes do EI.
A análise de mensagens trocadas entre eles e o material apreendido em seus computadores mostram que só não agiram porque ainda não tinham a estrutura preparada para tanto, acredita o procurador da República Rafael Miron, um dos responsáveis pela investigação.
Entre os planos dos extremistas que começavam a se concretizar estava a compra de armas – eles fotografaram duas pistolas chinesas que teriam contrabandeado desde a Bolívia e um fuzil que estava por chegar do Paraguai. "É hora de agir, praticar saques e espólios, ajudar os irmãos", conclamava um dos líderes do grupo. Mas quem agiu foi a PF e o Ministério Público Federal.
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O que dizem os investigados
A maioria dos investigados por terrorismo – inclusive o gaúcho Israel Mesquita – permanece em silêncio durante o interrogatório pela Polícia Federal. Parte deles, porém, se diz arrependida e nega apoiar o Estado Islâmico ou concordar com terrorismo. Um dos interrogados, Luís Gustavo de Oliveira, diz que postagens sobre a produção de uma bomba caseira eram "apenas uma brincadeira". Outro, Oziris Azevedo, afirma que "em nenhum momento passou pela cabeça aderir à convocação para doutrinação e treinamento físico".
O paranaense Levi Fernandes de Jesus argumenta que o islamismo fez parte de "uma fase de confusão mental", e diz ter se convertido ao cristianismo recentemente.
O que diz a defensora pública federal Rita Cristina de Oliveira, na defesa prévia dos réus
"Os interrogatórios foram nulos. Os acusados foram ouvidos formalmente, na condição de suspeitos presos, em até 48 horas após ingressarem nas dependências da Penitenciária Federal de Campo Grande, na presença apenas de agentes carcerários e das autoridades policiais, algemados e sem esclarecimento da acusação que pesava contra eles.
Não foi oportunizada aos acusados a menor possibilidade de solicitar a presença de um defensor ao ato. Foi ainda dispensado por este Juízo a realização de audiência de custódia quando da prisão temporária dos investigados, o que lhes poderia permitir fatalmente o acesso a um defensor.
Com tudo isso, proporcionou-se verdadeiro estado de incomunicabilidade sob o qual foram colhidas as primeiras declarações dos acusados. Há relatos plausíveis de que os acusados se sentiram coagidos a assinar os depoimentos e induzidos a fazer declarações visando à liberação do cárcere, sob o pretexto de uma espécie de colaboração premiada. Em que pese isso não estar cabalmente comprovado, os vídeos constantes são claros em demonstrar que os acusados não foram adequadamente advertidos quanto ao exercício do direito ao silêncio, tampouco esclarecidos quanto à possível acusação que pesava contra eles, além de não ter sido ofertado o direito de solicitar a presença de um defensor."
O que diz a Justiça
O juiz Marcos Josegrei da Silva, de Curitiba, disse que "não há qualquer indicação efetiva e específica de prejuízo aos denunciados em razão do não acompanhamento do ato por defensores, tampouco há indícios de ilegalidades praticadas em detrimento dos réus".