Junto ao pescoço, presa a uma gargantilha, a viúva Sueli Teresinha Varela, 67 anos, carrega a aliança de 50 anos de casamento que entregaria ao marido no sábado passado, quando comemorariam as bodas de ouro em uma missa. Porém, o tiro que o companheiro levou no ouvido seis dias antes da cerimônia, em 14 deste mês, durante um assalto, não permitiu que o plano fosse colocado em prática. Após oito dias de internação, Antônio Avelino Varela, 80 anos, morreu, na terça-feira, no Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre.
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Em carta escrita há alguns anos, e guardada pela esposa, Varela orienta os filhos a viverem "humilde e honestamente", a não brigar entre si, a levarem uma vida feliz e a cuidar da mãe deles e de seus três netos. O aposentado foi alvejado por volta das 16h do dia 14 de novembro enquanto lavava o carro, um Onix branco, em frente de casa, na Rua Dona Cecília, no centro de Cachoeirinha. Naquele dia, um homem o abordou e disparou antes de fugir com o veículo. Uma viatura da Brigada Militar, que estava nas proximidades, logo chegou e, devido à gravidade do ferimento, encaminhou a vítima ao hospital do município. No mesmo dia, ele foi transferido para a Capital, onde morreu na terça.
– Ele era uma criança grande, ingênua demais. Eu sempre dizia para ele não abrir o portão para qualquer um, para lavar o carro no pátio. Explicava que as pessoas são más. Mas ele dizia que conhecia todo mundo, que não tinha perigo – explica Sueli, que o viu pela última vez no dia em que comemorariam os 50 anos de casamento. Diferente do planejado, o encontro se deu no leito do hospital.
Com a aliança que seria do marido, a funcionária pública pretende fazer três pingentes: um para cada filho:
– Vou dar um pedacinho para cada. É uma maneira de ter ele perto da gente – explicou.
O que aconteceu para que o gatilho tenha sido puxado, Sueli ainda não sabe. Os anos em que conviveu com o marido fazem ela ter certeza de que não houve reação. O criminoso, identificado como Cristian Brangel, foi baleado com dois tiros no tórax, sendo um no coração, após perseguição na Rua Gildo de Freitas, no bairro Olaria, em Canoas, e foi encaminhado ao HPS daquela cidade. Conforme a casa de saúde, está na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) em estado grave. Ele dirigia o Onix roubado e foi atingido depois de descer do veículo e supostamente atirar contra os policiais militares. Com passagens pela polícia por roubo, estava em prisão domiciliar.
– A gente perdeu ele para o Estado – disse a filha Kênia Varela Albrecht, de 49 anos.
Com ele foi apreendido um revólver calibre 38 com três munições deflagradas. O delegado Leonel Baldasso trata o caso como latrocínio e diz que deve concluir o inquérito até a próxima sexta-feira. Para o policial, não houve reação.
Busca judicial para atender pedido de cremação
Na carta, Varela deixou claro que preferia ser cremado, desejo que a família teve de recorrer à Justiça para conseguir realizar. Kênia diz que era vontade do pai que as cinzas fossem jogadas em um campo de futebol em Ouro Verde, localidade de Cambará do Sul, na Serra, onde ele morou quando jovem. A cremação e o velório estavam marcados para esta quarta-feira, em Cachoeirinha.
– Meu pai era uma pessoa muito amada. Dava banho de alegria, de amor, de honestidade em todos nós – comentou Kênia.
Sobre a cremação, o delegado Baldasso explicou que por se tratar de uma morte violenta, se faz necessário autorização da Justiça e da polícia, pois poderia haver necessidade de exumação do corpo.
– É um procedimento de praxe que já conseguimos realizar – disse Baldasso.
O Departamento Médico Legal (DML) informou que o corpo entrou às 19h15min de terça-feira e "antes das 22h já estava pronta a necropsia".
"Não houve nenhuma demora de nossa parte. A família que queria cremar mas, por lei, sendo morte violenta, somente o Juiz que pode autorizar a cremação", informou.
Conforme o órgão, a família retirou a Declaração de Óbito (DO) às 2h21min e o corpo às 11h43min da quarta.