E-mails interceptados pela Operação Lava-Jato demonstram um suposto pagamento de suborno em 2004 durante as obras de construção da Terceira Perimetral, na Capital. A informação foi citada pela Polícia Federal em entrevista coletiva na manhã desta segunda-feira, sobre a 35ª fase da Operação Lava-Jato, que prendeu o ex-ministro Antonio Palocci.
Em relatório, a Polícia Federal cita uma troca de correspondência entre o então presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e alguns dos principais executivos da empreiteira. No e-mail, Marcelo autoriza o repasse de R$ 119 mil para dois personagens do esquema, identificados apenas pelos codinomes "Animal" e "Três".
A Odebrecht participou da construção de dois trechos da Terceira Perimetral. Eles somam quase 4,5 quilômetros de extensão, da Avenida Ipiranga até a Avenida Teresópolis. As obras foram realizadas entre 28 de dezembro de 2000 e 2 de março de 2003. O valor dos contratos é de R$ 22,27 milhões.
Os e-mails em posse da PF foram trocados entre os dias 24 e 26 de março de 2004. A origem da conversa é uma correspondência enviada por João Borba, diretor de desenvolvimento de negócios da construtora, a Benedicto Júnior, antecessor de Marcelo Odebrecht no comando da empreiteira. Na mensagem, Borba solicita o "cumprimento do acordo", com a liberação de R$ 119 mil. Os pagamentos deveriam ser efetuados no dia 12 de abril de 2004, sendo R$ 29 mil para Animal, a serem entregues em São Paulo, e R$ 90 mil para Três, cujo repasse deveria ser feito em Porto Alegre.
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Borba comunica a Benedicto que "finalmente fechamos a perimetral" e que o último faturamento correspondia a R$ 1,84 milhão, dos quais R$ 840 mil couberam à Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO), que à época pertencia ao Grupo Odebrecht.
Esse e-mail foi sendo reencaminhado na hierarquia da construtora. Vinte e oito minutos após recebê-lo, Benedicto o repassou a Marcelo Odebrecht e a Isaías Ubiraci Chaves Santos, envolvido na confecção das planilhas e das requisições de pagamentos do setor de propina da empresa. A resposta do presidente viria dois dias depois, 26 de março, às 12h30min. Com um lacônico "ok", Marcelo Odebrecht autoriza a operação.
Em Porto Alegre, a empreiteira se valia de um doleiro para fazer o pagamento de propinas. As investigações da PF e uma ex-secretária da empresa, Maria Lúcia Guimarães Tavares, responsável pela agenda de pagamentos secretos, apontam o agrônomo Antônio Cláudio Albernaz Cordeiro como sendo o operador do esquema. Cordeiro foi preso pela Lava-Jato em março e identificado como responsável pelos "pagamentos paralelos" da Odebrecht na cidade. Ele também estaria relacionado a empresas offshore panamenhas e já havia sido investigado pela PF no Estado por crime contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro.
Dois contratos das obras da Terceira Perimetral de Porto Alegre tiveram participação da Odebrecht. Durante a época de vigência dos contratos, a Capital era governada pelo PT. Tarso Genro venceu a eleição em 2000, renunciando dois anos depois para disputar o governo do Estado. O mandato foi concluído pelo vice, João Verle (PT), que morreu no ano passado.
Procurado por Zero Hora, o então titular do Gabinete de Planejamento da prefeitura, André Passos Cordeiro, afirma que não tinha relação com a obra. Segundo Cordeiro, seu papel era fazer a intermediação entre a prefeitura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), instituição que financiou a construção da avenida.
– A minha relação era da prefeitura para fora, com o BID. A minha função era mandar documentação, prestar contas ao BID da execução da obra. O gerenciamento era com o escritório de obras da Perimetral. A minha função não era fiscalizar licitações ou coisas do gênero, era só ver se a obra estava seguindo as diretrizes do contrato com o BID – disse André.
Secretário de Obras do município de janeiro de 2001 a março de 2004, Guilherme Barbosa afirma que a licitação já está concluída quando ele assumiu o cargo e que nunca se deparou com qualquer indício de irregularidade. Ressaltando que não era o responsável pela autorização dos pagamentos às construtoras, Barbosa salienta ainda que, ao final da obra, o custo total foi R$ 3 milhões abaixo do contratado originalmente.
– Os pagamentos eram feitos por uma equipe técnica, que fiscalizava cada etapa da obra. O valor abaixo do contrato e se deu em função de uma necessidade menor de uso de materiais. Além disso, toda a licitação era acompanhada pela equipe técnica do BID. Havia um controle do dia a dia da obra.
A licitação para a Terceira Perimetral ocorreu no período em que a Secretaria de Obras tinha como titular Estilac Xavier, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Por meio da assessoria do TCE, Estilac disse que não havia o que comentar sobre as suspeitas de irregularidade, pois a obra foi realizada quando ele não estava mais à frente da secretaria.
* Zero Hora