Yasmin Rodrigues saiu de casa às 7h desta segunda-feira para ajudar na arrumação da Escola de Educação Infantil Tio Zé, invadida e vandalizada duas vezes por ladrões na semana passada. Depois de pegar dois ônibus e cruzar toda a zona sul da Capital até o morro Santa Tereza, não acreditou quando, ao chegar ao local, deparou com viaturas policiais. O educandário havia sido atacado novamente – a terceira vez consecutiva em seis dias.
– Yasmin, tua sala está irreconhecível – disse uma das colegas.
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Moradora da Restinga e mãe do aluno Pedro Henrique, de quatro anos, Yasmim é uma das educadoras-assistentes da Tio Zé. Ao entrar na peça onde todos os dias cuida de bebês de quatro meses a um ano de idade, desabou em lágrimas. A janela de ferro estava esgarçada. Os brinquedos, espalhados pelo chão. O mural com os desenhos feitos pelas crianças havia sido arrancado da parede. Pegadas sujas de barro empesteavam o tatame emborrachado onde os pequenos engatinham.
Não satisfeitos em furtar oito caixas de leite sem lactose, pacotes de bolacha e potes de chimia, alguns deles abandonados abertos nos fundos da escola, os bandidos transportaram os produtos nas capas de nylon que forram os trocadores de fralda. O sistema de alarme, doação recebida após o segundo assalto, na madrugada da sexta-feira anterior, foi destruído e os fios, arrancados da parede.
Na sexta-feira, antes de ir embora para casa, Yasmin se precaveu. Junto com as colegas, guardou na secretaria da creche os seis aparelhos de DVD com os quais alunos assistem a desenhos e filmes didáticos. Pois desta vez, os ladrões arrombaram a porta da sala e levaram os equipamentos.
Em ataque anterior, fezes no chão e merenda levada
Fundada em 2009, a Tio Zé atende 110 crianças de zero a menos de seis anos de idade, algumas com necessidades especiais. É uma escola comunitária, mantida pela Associação dos Moradores da Vila Figueira, com ajuda de custo paga pelos pais e uma verba da Secretaria Municipal de Educação (Smed) repassada por convênio.
A prefeitura manda merenda, mas apenas de dois em dois meses, e nunca com carne e frutas, que precisam ser compradas com recursos próprios. O telefone está cortado, por causa de uma conta atrasada de R$ 900. Desde a inauguração até a semana passada, o local nunca havia sido atacado.
– Agora foi essa desgraça. Três vezes seguidas. Levaram tudo que não haviam conseguido das últimas vezes. A sorte é que a gente recebeu algumas doações de comida, mas ainda não havíamos trazido para cá. Estávamos esperando arrumar o estrago de antes – conta a tesoureira da associação de moradores, Inajara Pereira.
No primeiro ataque, terça-feira da semana passada, os bandidos roubaram uma TV 14 polegadas e material de higiene e limpeza. No segundo, levaram quase toda a comida da merenda e um rádio. Antes de irem embora, urinaram e defecaram no chão, limpando as fezes com os travesseiros do maternal 1, usados por crianças de dois e três anos.
Todas as vezes, os ladrões cruzaram um matagal nos fundos da escola, pularam a tela de proteção e arrombaram uma das oito janelas. A direção gastou R$ 300 na instalação de grade na área de serviço e ganhou outras duas de presente. Nesta segunda-feira, o avô de um estudante instalava mais quatro grades. Um novo alarme e uma cerca elétrica também foram prometidos. Mas a escola só reabrirá na segunda-feira da semana que vem.
A ajuda conforta a presidente da associação de moradores da Vila Figueira e principal dirigente da Tio Zé, Sara Vargas, mas não atenua a revolta diante de tamanha covardia. Após a perícia encerrar o trabalho nas peças invadidas, ela se encostou no muro em frente à escola e desabafou:
– Estou me sentindo no chão, sem saber o que fazer. Fui a fundadora de tudo isso aqui. Faça frio, faça sol, vou nas reuniões demandando as coisas para a escola. É muito triste porque tem muita criança que janta aqui e depois só vai comer de novo quando voltar no dia seguinte. Mas não vou cair, não é um ladrão chinelo que vai me derrubar.
Ajude
A instituição, que fica na Rua Prisma, número 64, é conveniada com a prefeitura de Porto Alegre, atende 110 crianças de comunidade carente entre três meses e seis anos de idade.
Quem quiser doar alimentos, deve fazer contato no número (51) 8490-1179, com Inajra.
Busca a suspeitos e reforço em janelas como medida de proteção
Os arrombamentos na Escola de Educação Infantil Tio Zé estão sendo investigados pela 20ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, que ainda não identificou responsáveis. Segundo o delegado Juliano Ferreira, que responde interinamente pela delegacia, encontrar os criminosos é uma das principais formas de prevenir novas ações. E, para que isso aconteça, ele conta com a ajuda da população, pois acredita que os bandidos sejam moradores locais:
– Quem tiver informações deve nos passar imediatamente. Isso é muito importante no decorrer da investigação. Prender eles é uma forma de intimidar os demais.
Batalhão local da BM diz que não faz vigilância privada
Ferreira sugere ainda que a escola invista em zeladoria patrimonial e que seja intensificado o policiamento ostensivo na área. Quanto ao patrulhamento, que cabe à Brigada Militar (BM), o comandante do 1° Batalhão de Polícia Militar (BPM), Alexandre Brite, alega que são feitas rondas diárias. Ele enfatizou que a BM não é responsável pela vigilância privada da instituição, e reforçou que a segurança da escola precisa ser revista.
– Qualquer imóvel que não estiver coberto por medidas preventivas corre o risco de ser arrombado. O policiamento atinge só a via pública. A gente não está lá dentro para saber o que está acontecendo – comentou, ressaltando que, hoje, um oficial irá até a escola conversar com a coordenação sobre dicas de segurança.
O colégio informou que irá reforçar a proteção das janelas, por onde os criminosos entraram. Enquanto isso, a instituição permanecerá fechada até a próxima segunda-feira.
– O que dá para fazer, a gente está fazendo. Tínhamos colocado alarme, mas eles arrancaram os fios. A proteção na janela, eles arrebentaram. Agora, vamos colocar grades mais fortes – disse a dirigente Sara Vargas.
DENUNCIE
Quem tiver informações sobre os responsáveis pelos arrombamentos na escola pode ligar para a 20ª Delegacia de Polícia da Capital no número (51) 3241-3397.
Igreja também está na mira dos ladrões
Situada a poucos metros da Escola Tio Zé, a Congregação Prisma da igreja evangélica Assembleia de Deus também é alvo frequente de ladrões no morro Santa Tereza, na zona sul da Capital.
Na semana passada, o templo foi invadido por quatro dias consecutivos, de segunda a quinta-feira. Os ladrões levaram comida, caixas de suco e um butijão de gás. No ataque mais recente, retiraram os alto-falantes das caixas de som instaladas sobre o altar.
Os bandidos agem sempre da mesma maneira, escalando os muros e quebrando telhas para entrar no prédio pelo forro.
– São sempre os mesmos, porque eles não se contentam em roubar, têm que defecar no lugar – revolta-se o porteiro Carlos Roberto Ayres, 48 anos.
Morador de uma rua vizinha à da igreja, ele irá, em breve, se mudar para o templo. A comunidade religiosa está preparando uma sala para que Ayres possa residir no local, em uma tentativa de evitar novos ataques.
– Pode ser que comigo morando aqui definitivamente as coisas se acalmem um pouco. Ninguém aguenta mais – comenta.
Desde quinta-feira, o porteiro já dorme no salão principal do templo, em cama improvisada com um colchão estendido sobre as poltronas destinadas aos fiéis.
A EDUCAÇÃO NO ALVO
O ataque à Escola de Educação Infantil Tio Zé, na zona sul da Capital, está longe de ser episódio isolado. Nos últimos meses, pelo menos três situações semelhantes foram registradas em colégios do Estado.
8 de junho
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Aurélio Reis, no bairro Jardim Floresta, zona norte da Capital, foi arrombada e teve 110 netbooks furtados. No dia seguinte ao crime, foi preso em flagrante um policial civil com 24 netbooks dentro de uma viatura, estacionada na casa dele. O agente alegou que havia recebido os computadores na noite anterior e que, diante do horário (próximo das 21h), decidiu guardá-los para registrar ocorrência na manhã seguinte. A versão não convenceu e foi aberta investigação contra ele na Corregedoria da Polícia Civil.
O agente é sócio de uma empresa de segurança na qual trabalham três vigias indiciados no mesmo caso. O trio teria agredido e roubados os netbooks dos ladrões que haviam invadido a escola. O delegado Alexandre Vieira, da 9ª Delegacia de Polícia da Capital, pediu, há cerca de 20 dias, a prisão preventiva de sete indiciados – os três vigias, os três arrombadores, e um receptador. Até agora, a Justiça não se pronunciou.
Ao longo da apuração, cerca de 80 computadores foram recuperados. Segundo o corregedor-geral da Polícia Civil, delegado Andrei Luiz Vivian, o policial envolvido no caso foi indiciado por receptação qualificada, segue afastado das funções e responde a processo administrativo que pode penalizá-lo com exoneração.
9 de junho
A Escola Municipal Padre Luiz de Nadal, de São Jerônimo, na Região Carbonífera, amanheceu com o refeitório arrombado e as dispensas praticamente vazias naquela quinta-feira. Os invasores não pouparam sequer os alimentos que serviriam de merenda para os 150 alunos da pré-escola ao 5º ano da instituição localizada na Rua General Osório, no centro da cidade. Entre os produtos furtados, estavam arroz, azeite, iogurte, açúcar e carne suficientes para 15 dias de refeições. Também foram levados diversos eletrodomésticos e equipamentos de cozinha, como micro-ondas, batedeira, cafeteira, sanduicheira, crepeira, fritadeira e garrafa térmica.
Cerca de duas semanas depois, a polícia identificou a dupla responsável pelo arrombamento e conseguiu recuperar os eletrodomésticos na casa de uma mulher de 70 anos. Ela nega, mas, segundo o delegado de São Jerônimo, Marco Shalmes, teria comprado os itens por R$ 100 dos dois homens, conhecidos na região por esse tipo de delito.
O delegado concluiu o inquérito indiciando a idosa por receptação, e a dupla, por furto qualificado, arrombamento e concurso de pessoas (mais um praticante do crime), e ainda solicitou a prisão preventiva dos dois. Até agora, a Justiça não respondeu ao pedido, e a dupla segue em liberdade.
16 e 17 de julho
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Erico Verissimo, na Vila Ipê 1, no bairro Jardim Carvalho, na zona norte da Capital, foi invadida. O colégio, que já havia fechado as portas duas vezes em razão de tiroteios na região e até, por orientação da Secretária Estadual de Educação, reduzido horários de aula por causa da violência no entorno, ficou destruída. Naquele final de semana, praticamente todas as salas foram danificadas pelos invasores, que picharam móveis e paredes. Foram furtados objetos e destruídos alimentos, instrumentos musicais, telas de computador, entre outros equipamentos, além de arrebentadas portas e janelas. Os vândalos ainda arrancaram câmeras de vigilância e levaram os computadores que registravam as imagens.
A investigação policial apreendeu seis adolescentes, alunos da escola com idades entre 12 e 17 anos, como responsáveis pelo crime e pediu a internação de todos. Para um deles, porém, o Ministério Público entendeu que não havia elementos suficientes que justificassem a medida.
Em 28 de julho, a Justiça ordenou a internação provisória dos outros cinco adolescentes em unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, o processo tramita em segredo de Justiça.