Levantamento da Secretaria Estadual da Educação (SEC) revela cotidiano conturbado nos colégios públicos do Rio Grande do Sul. Em período de seis meses, escolas estaduais registraram pelo menos 45,9 mil episódios de insegurança dentro de seus muros ou nos arredores – média diária de 255 ocorrências envolvendo indisciplina, agressão física, verbal, assaltos e outras ameaças.
Uma das principais fontes de risco é a violência urbana no entorno dos estabelecimentos, que soma, em média, 30 casos por dia. Esse cenário, além de colocar em xeque a integridade de alunos, professores e funcionários, segundo especialistas, compromete a qualidade da educação.
Leia mais
Angela Chagas: Escola, mais uma vítima da falta de segurança no RS
Aulas sãosuspensas após mãe de estudante ser baleada em frente a escola estadual emViamão
Ladrões arrombam escola de Porto Alegre e levam 110 netbooks
Vítimas falam sobre traumas e agressões sofridas nas escolas
Escola da Capital suspende aulas por medo da violência
Após tiroteios e assassinato, escola de Porto Alegre terá só duas horas de aulas por turno
"Tiro, porrada e bomba": a rotina na escola sitiada pelo tráfico na Capital
Os números se baseiam em questionários respondidos por 1.255 das 2,5 mil escolas estaduais e é uma iniciativa das Comissões Internas de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipaves). Essas unidades, que já estão presentes em 1,8 mil colégios da rede, têm como objetivo mapear problemas e propor ações para garantir a segurança no local de ensino. O cenário revelado pelos dados mais recentes é motivo de alerta em ambiente onde a paz de espírito é condição fundamental para o aprendizado.
A violência nas cercanias das escolas alcançou 5,6 mil registros ao longo de um período de seis meses que engloba novembro e dezembro de 2015, março, abril, maio e junho deste ano. São ocorrências como tiroteios, incêndios em ônibus, confrontos entre policiais e criminosos, toques de recolher e outras formas de insegurança urbana que interferiram de alguma forma no andamento das aulas.
Ambiente de ensino que reflete selvageria urbana
O reflexo da violência urbana já representa o segundo tipo mais comum de ameaça à educação pública, atrás apenas dos registros de indisciplina. O desrespeito nas classes se repetiu 23,9 mil vezes ao longo do semestre analisado – média de 133 episódios por dia. O doutor em sociologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos Carlos Gadea, pesquisador de violência urbana e juventude, sustenta que muitos colégios têm refletido a agressividade que emana da sociedade.
– A escola começou a se converter em um tipo de terra de ninguém, então os códigos de comportamento esperados por alunos e professores deixam de ser seguidos. A violência é a palavra-chave na sociedade de hoje, em que cresce a agressão doméstica, entre vizinhos, e as pessoas seguem armadas. É um efeito cascata que repercute na escola – analisa Gadea.
O impacto da selvageria, segundo a professora de Psicologia da Educação da UFRGS Tania Marques, afeta a qualidade de vida e de aprendizado de quem convive ao redor do quadro-negro:
– Quando há qualquer preocupação com a nossa integridade, isso se torna a prioridade e uma fonte de distração. Para que se possa aprender, é preciso estar com uma sensação de bem-estar.
PMs da reserva como opção de reforço
Representantes estaduais da educação e da segurança pública admitem a urgência em pacificar o interior e o entorno das escolas públicas do Rio Grande do Sul e fazem promessas de melhorar as condições para alunos, professores e funcionários. Uma das propostas é selecionar policiais militares (PMs) em cadastro de 953 brigadianos da reserva para voltar à ativa com a missão específica de guarnecer os colégios.
– Temos de avançar na questão da segurança, que é preocupante – afirmou à Rádio Gaúcha nesta quinta-feira o secretário estadual da Educação, Luis Alcoba de Freitas.
Ele assegura que um convênio está em fase final de elaboração para incrementar o policiamento próximo aos locais de ensino, mas não deu prazo para a medida sair do papel. Segundo o comando da Brigada Militar (BM), inicialmente 200 PMs inativos poderiam voltar às ruas, mas o número final vai depender do término das tratativas. Até lá, efetivos da Operação Avante da BM também devem receber a incumbência de reforçar o patrulhamento escolar.
O secretário da Educação ressalta que o setor vem recebendo investimentos desde 2015.
– No ano passado, 33,7% da receita líquida do Estado foram aplicados em educação. Apesar da crise, o setor é prioridade.
Erro de cálculo
A Secretaria de Educação (SEC) anunciou, ontem, reduções em casos de violência como bullying (16%, em valor arredondado) ou assaltos (4%). O cálculo para chegar a esses percentuais, porém, é considerado inadequado por matemáticos.
O número absoluto de fatos de bullying, por exemplo, aumentou de 2,3 mil para 2,6 mil, mas a comparação direta é inadequada porque o universo de colégios pesquisados subiu de 870 para 1.255. A SEC então comparou a proporção das denúncias de bullying no total de casos de violência do semestre anterior (21%) com a proporção no semestre mais recente (5%). Foi feita subtração simples entre os dois índices – o que dá diferença de 16 pontos percentuais, e não de 16%. O número indica apenas que a parcela do bullying encolheu em relação aos outros tipos de queixa, que cresceram, mas não mostra redução de casos.
– Como temos amostras de tamanhos diferentes, teria de se fazer ajuste para simular que o número de escolas fosse o mesmo – explica o professor de matemática da Escola Espartato Gustavo Reis.
Luciane Manfro, da SEC, diz que o sistema de registro será aprimorado:
– Mas temos convicção de que o bullying recuou porque o número absoluto aumentou muito pouco, enquanto o universo de colégios pesquisados cresceu bastante.