O endereço foi o mesmo de três anos atrás: o auditório do térreo do Fórum de Santa Maria. À época, em abril de 2013, o juiz Ulysses Fonseca Louzada aceitava denúncia do Ministério Público contra oito pessoas pelo incêndio da boate Kiss, sendo quatro delas apontadas pelo MP como responsáveis pelas 242 mortes.
Nesta quarta-feira, quando a tragédia completou 42 meses, o magistrado proferiu a primeira sentença referente à ação criminal. No entendimento do juiz, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, ex-sócios da casa noturna, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, ex-integrantes da banda Gurizada Fandangueira, serão julgados pelo povo.
A sentença, da fase de pronúncia, conta com 195 páginas e, na tarde desta quarta, foi sintetizada pelo juiz durante coletiva à imprensa:
– Tentei deixar didático porque é uma sentença que será lida por todo mundo e durante muito tempo e, inclusive, por muitas gerações e ainda por pessoas com e sem conhecimento jurídico.
O magistrado explicou que o "processo é diferente e nada comum" e, para isso, citou números: 21 mil folhas, 98 volumes e 205 pessoas ouvidas (entre acusação, defesa, peritos, sobreviventes e testemunhas). E, mesmo assim, o tempo para que ele proferisse a sentença foi rápido, justifica:
– Não acredito que tenha demorado. Realmente, andou bastante rápido, até porque há processos de grande repercussão que até hoje não terminaram.
Dotado de uma fala pausada, ponderada e restrita ao conteúdo da sentença, Ulysses descreveu:
– Em nenhum momento eu disse que os réus têm que ser condenados. Há presença de materialidade porque é público e notório que pessoas morreram e há indícios de autoria que apontam para os acusados. E o único caminho que existe é o Tribunal do Júri.
Prazos e defesas
Sobre a possibilidade de se fazer projeção de quando haverá o júri, Ulysses enfatizou que tudo dependerá de haver ou não recursos e acrescentou que falar em prazos é "exercício de futurologia".
Os advogados dos réus devem recorrer, já nos próximos dias, ao TJ.
– Ir a júri era uma das possibilidades do caso, embora eu esperasse que o magistrado fizesse uma análise mais técnica. E tecnicamente falando, é evidente que não há dolo na ação das pessoas – diz o advogado Jader Marques, que defende Elissandro Spohr.
Em uma rede social, Luciano Bonilha escreveu, após a decisão, "não sou assassino".
Foco nos quatro
Questionado pelo Diário se poderia haver mais pessoas que, direta ou indiretamente, possam ter tido participação na tragédia e que, por brecha na lei, tenham ficado fora da ação criminal, Louzada foi enfático:
– Com a denúncia (do MP), ficou delimitado o campo do juiz. Não posso me colocar como acusador. Meu foco é dirigido a essas quatro pessoas que estão sendo acusadas. Não posso sair buscando pessoas. Cabe ao MP acusar.
Ao Diário, os familiares das vítimas da boate Kiss se mostraram satisfeitos com o encaminhamento dado ao caso pelo juiz. O promotor Joel Dutra, do MP, disse não ter lido o teor da decisão e, por isso, não quis se manifestar.