Além de combustível para a violência com roubos e mortes, desmandos do semiaberto também provocam prejuízos financeiros aos combalidos cofres públicos. Por se omitir de responsabilidades, o Estado, e, por consequência a sociedade gaúcha, está condenado em todas as instâncias jurídicas a pagar multas por não abrir espaços nos albergues. Tem sido obrigado pela Justiça a ressarcir ladrões e assaltantes que ficam mais tempo do que manda a lei no regime fechado. Está sendo punido a indenizar parentes de presos mortos nas cadeias, além de famílias de vítimas assassinadas por apenados do semiaberto.
Há quase 10 anos, o Ministério Público Estadual (MP) tentou um acordo com o governo do Estado para resolver o problema do déficit prisional. Não houve acerto, e o MP ajuizou uma ação em novembro de 2007 na 7ª Vara da Fazenda Pública. Em fevereiro de 2009, o Estado foi condenado por não gerar vagas.
A sentença foi confirmada em março de 2010 pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ), em processo relatado pelo desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, atual presidente da Corte. Pelo acórdão, o Estado tem de desembolsar R$ 10 mil diários de seus cofres por causa da falta de espaços nos regimes semiaberto e aberto e mais R$ 10 mil pelo mesmo problema no regime fechado.
Leia mais:
Um preso foge a cada duas horas no Estado
Quatro famílias destruídas por criminosos que deveriam estar presos
A quadrilha do semiaberto
O governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que a Justiça não poderia interferir no Executivo a ponto de forçá-lo a construir cadeias, mas uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF, inviabilizou o recurso.
Em outubro de 2012, a 7ª Vara da Fazenda Pública abriu um processo de execução para cobrar multas do Estado que beiram hoje R$ 27 milhões, suficiente para erguer uma penitenciária para 500 presos. A decisão judicial visa, justamente, a obrigar o Estado a investir nas cadeias, pois a verba vai para o Fundo Penitenciário. Mesmo assim, o Piratini não paga a multa. Como medida derradeira, o MP pediu bloqueio de valores nas contas do Estado.
– A ação é o instrumento de que dispomos para cobrar uma política prisional permanente. Não pode ser uma política que mude a cada governo – afirma o promotor José Eduardo Coelho Corsini, da Promotoria de Execução Criminal de Porto Alegre.
Estado indeniza famílias por mortes entre presos
O governo do Estado tem ainda perdido outras batalhas jurídicas, pagando indenizações individuais, por conta da incapacidade de gerir as cadeias. Inexiste estatística oficial sobre elas. A Procuradoria-geral do Estado estima que tramitam cerca de 150 processos referentes a indenizações envolvendo presos.
Um levantamento do MP, em 2012, apontou que, em apenas dois anos, 12 condenações por mortes de presos nos três regimes por motivos variados, resultaram em R$ 821,9 mil em ordens de pagamentos a parentes de apenados.
Em uma pesquisa no site do TJ, entre 2011 e 2015, Zero Hora localizou quatro processos no qual o Estado foi condenado a pagar R$ 385,2 mil exclusivamente a familiares de quatro criminosos assassinados na Colônia Penal de Venâncio Aires (já fechada), na Colônia Penal e no Instituto Penal, em Charqueadas, e na Casa do Albergado Padre Pio Buck, em Porto Alegre. Os quatro homicídios foram motivados por brigas entre facções. Em dois casos, os apenados não sobreviveram 24 horas após a chegada no semiaberto.
A decisão de indenizar famílias de detentos segue jurisprudência do STF confirmada, em março, definindo que o Estado é responsável pela segurança de presos sob sua tutela, inclusive para evitar suicídio – em uma decisão de abril deste ano do TJ, por exemplo, a mulher de um detento que se matou vai receber R$ 25 mil, além de pensão de um salário mínimo.
Outra falha que tem gerado custo: o Estado mantém no regime fechado presos que já deveriam estar no semiaberto, mas seguem atrás das grades por falta de vagas nos albergues. Atualmente, são 841.
A irregularidade tem provocado uma enxurrada de ações judiciais. Só o advogado Rodrigo Rollemberg Cabral já ingressou com mais de 50 processos. O resultado, em geral, determina que o Estado recompense criminosos em dinheiro. Em 2014, por exemplo, um assaltante foi preso por roubar R$ 500 de uma loja, e ganhou na Justiça o direito de receber R$ 2 mil à título de dano moral, mas há caso de pagamento de até o dobro.
Conforme o desembargador Ney Wiedemann Neto, coordenador-geral do Centro de Estudos do TJ, a maioria dessas sentenças de primeiro grau tende a não prosperar no TJ nem no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
– Decisão do STJ é de que, ao invés de dar dinheiro individualmente para criminosos, deve-se investir na construção de casas prisionais para melhorar o sistema prisional como um todo – afirma Wiedemann.