Não bastasse a fragilidade da lei, o entra e sai de presos do regime semiaberto é tão intenso que no trânsito de papéis entre o judiciário e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) ocorrem falhas, geralmente, beneficiando criminosos.
Um dos erros mais recentes permitiu a fuga em 12 de abril do assaltante Jonatha Rosa da Cruz, 34 anos, que deveria estar trancafiado na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), depois de ser preso em flagrante em Mormaço, no norte gaúcho, sob suspeita de integrar a maior e mais articulada quadrilha de roubos a bancos com uso de explosivos em atuação no Rio Grande do Sul.
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Considerado expoente de uma facção de traficantes e ladrões de banco, Jonatha foi pego em fevereiro na companhia de outros sete comparsas, apontados pela Delegacia de Repressão a Roubos e Extorsões, do Departamento Estadual de Investigações Criminais, como responsáveis por 20 ataques com dinamites no Estado.
O grupo ocupava um sítio em Mormaço que servia de base de operações para o bando, e se preparava, conforme a polícia, para uma série de ataques na região, quando foi capturado.
No local, os agentes apreenderam cinco fuzis – um canadense e um do Exército brasileiro –, carabinas, pistolas, revólveres, explosivos, miguelitos (pregos retorcidos usados para furar pneus) coletes à prova de balas, máscaras tipo ninja, dois carros clonados e um quantia em dinheiro com resquícios de explosivo.
Antes disso, Jonathan, condenado a 30 anos de prisão, até 2035, estava em prisão domiciliar, havia três meses, por falta de espaço no semiaberto. Após ser capturado, a Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre expediu, no mesmo dia, dois ofícios à Susepe, o segundo proibindo Jonatha de esperar vaga em albergue em casa. Mas a Susepe ignorou a ordem. Transferiu o assaltante da Pasc para o Instituto Penal de Charqueadas e, de lá, ele fugiu.
O bando de Jonatha é apenas um dos tantos elos da engrenagem que faz crescer a violência no Estado manipulada por mão-de-obra do semiaberto. Com acesso facilitado às ruas por causa do descontrole prisional, Jonatha e outros tantos apenados são peças importantes na estrutura criminal porque fazem o meio de campo entre chefes das facções atrás das grades e a linha de frente da bandidagem mais perigosa.
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A ofensiva policial em Mormaço chegou a ser considerada o maior golpe no crime organizado dos últimos anos, chamando a atenção, em especial, o fato de a metade dos presos estava no semiaberto. Além de Jonatha, outros três comparsas capturados com ele deveriam cumprir pena em albergues.
Um deles, Leandro Martins Borchartt, 35 anos, estava foragido desde maio de 2015. Ele tem pena de 41 anos e três meses, até dezembro de 2044 por cinco condenações, entre elas, o roubo de R$ 318 mil e a morte do vigilante de carro-forte Ricardo Luís Selbach, em 2003, em Venâncio Aires.
Outro é Diego de Carvalho Fontinel, 28 anos, que também estava em prisão domiciliar, cumprindo pena por tentativa de homicídio, em Canoas, na qual deixou a vítima paraplégica – um ano antes, um irmão de Diego já tinha tentado matar a mesma vítima e deixou outro homem paraplégico.
O terceiro apenado do semiaberto do bando é Ronaldo Bandeira Mack, 39 anos, que morreu em confronto com a polícia. Considerado especialista em explosivos, somava condenações de 34 anos de prisão, até 2.037, por cinco assaltos. Tinha fugido cinco vezes de albergues, e, mesmo assim, em 2013, ganhou o direito de ir para casa, com tornozeleira. Entre 2014 e 2015 rompeu duas vezes o equipamento, a última delas, dois dias depois de a polícia apreender, em Canoas, um arsenal e explosivos que pertenceriam a ele.
O ENTRA E SAI DO SEMIABERTO
Jonatha Rosa da Cruz, 34 anos
– Tem condenação de 30 anos de prisão, até 2035 por assaltos em Porto Alegre, em Esteio, em Taquara, Gramado e Florianópolis, além de crime de receptação em Gravataí.
– Começou a cumprir pena em 2003. Entre 2005 e 2011 fugiu três vezes do semiaberto e regrediu para o fechado.
– Em outubro de 2014, ganhou direito de sair da cadeia e ir à Susepe pedir uma vaga no regime semiaberto. Como não tinha, ficou solto, em casa.
– Em janeiro de 2015, retornou ao regime fechado por causa de uma condenação. Progrediu para o semiaberto em novembro de 2015, obtendo nova autorização da Justiça para procurar vaga na Susepe.
– Permaneceu livre até ser preso em flagrante em Mormaço em 7 de fevereiro de 2016 e recolhido à Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas.
– Em 11 de fevereiro de 2016, a Vara de Execuções Criminais (VEC) encaminhou dois ofícios à Susepe, o primeiro informando tempo de pena, e o segundo, determinando que revogava a autorização para ele aguardar vaga no semiaberto em casa, devendo ficar "onde se encontrava transitoriamente recolhido".
– Apesar disso, a Susepe transferiu Jonatha para o Instituto Penal de Charqueadas de onde ele fugiu em 12 de abril. Desde então, a VEC já remeteu dois ofícios à Susepe, questionando onde está Jonatha.
Outros criminosos
Confira o "currículo" de outros apenados do semiaberto que cometeram crimes graves enquanto estavam na rua:
Flávio Antônio de Oliveira, 30 anos
– Por dois roubos – de veículo e a estabelecimento comercial – foi condenado a penas que somavam 15 anos de prisão, a partir de julho de 2008.
– Em fevereiro de 2011 foi para o semiaberto e fugiu dois meses depois, sendo recapturado um em maio de 2012.
– Em junho de 2014, voltou para o semiaberto e em dezembro ganhou direito à prisão domiciliar, usando tornozeleira.
– Em 11 de fevereiro de 2015, segundo investigação da 14ªDP, emprestou um revólver calibre 38 a três comparsas para roubarem um carro. O veículo seria revendido, e o lucro repartido entre o grupo.
– Naquela noite, o trio atacou o professor de música Marcos Rodrigo David Felipe, 28 anos, que deixava um jantar com a mulher, grávida, na Avenida Paula Soares, zona norte da Capital. Felipe mexia no GPS do seu Classic e não teria percebido a aproximação dos ladrões. Ao arrancar o carro, foi atingido por um tiro na nuca. Rodou alguns metros e bateu em um poste. O trio fugiu sem nada levar. Dias depois foi preso e confessou o crime.
– Nesse meio tempo, Flávio rompeu a tornozeleira e fugiu. Na casa dele, a polícia aprendeu a arma usada no crime. A partir daí, a última informação sobre o paradeiro dele é de setembro de 2015 com a extinção do processo por falecimento. Na polícia, não há registro da morte.
Jessé Rafael Barbosa Rodrigues, 24 anos
– Na véspera de Natal de 2010, assaltou um advogado, na Capital. A vítima foi rendida no próprio carro e feita refém por mais de uma hora. Jessé e um comparsa roubaram R$ 225 do advogado, tentavam sacar mais dinheiro em caixas eletrônicos, mas foram abordados por policiais civis e presos em flagrante.
– Em junho de 2011, Jessé foi condenado a cinco anos e quatro meses em regime semiaberto. No mês seguinte fugiu. Em janeiro de 2012, foi recapturado, mais uma vez em flagrante, após roubar, armado com uma faca, a mochila de uma jovem em uma parada de ônibus, na Capital.
– Em maio de 2012, foi condenado a mais cinco anos e quatro meses de cadeia. Em fevereiro de 2014 voltou para o semiaberto, mas em novembro de 2014, fugiu novamente, dessa vez, do Instituto Penal Padre Pio Buck.
– Na noite de 3 de agosto de 2015, Jessé e dois comparsas invadiram uma das lojas do Supermercado Nacional, na zona norte da Capital, e anunciaram um assalto. O soldado da BM Marcos Correa Lucas, 24 anos, faziam compras no estabelecimento, tentou intervir e foi morto a tiros. No dia seguinte, uma informação anônima levou a polícia até a casa de Jessé, no bairro Restinga, onde foi preso.
Esequiel da Silva Porto, 34 anos
– Em três ataques, entre julho e agosto de 2003, assaltou uma mulher, tentando violentá-la, depois estuprou uma menina de nove anos e outra de oito anos, em matagal no bairro Granja Esperança, em Cachoeirinha. Três dias depois de atacar a segunda criança, a polícia prendeu Esequiel. Pelos três crimes, foi condenado a 20 anos e 10 meses de prisão.
– Em setembro de 2011 foi para o semiaberto. Em março de 2013 fugiu, foi recapturado no mês seguinte, e em junho de 2013, obteve permissão para prisão domiciliar, usando tornozeleira.
– Em junho de 2013 voltou a fugir, assim como em setembro de 2013. Perdeu o direito à prisão domiciliar, voltou para o Instituto Penal Padre Pio Buck, mas fugiu de lá em fevereiro de 2014. Dias depois, invadiu um motel, em Gravataí, assaltou uma funcionária e arrastou outra para um mato e a estuprou.
– Sem que esses crimes fossem de conhecimento das autoridades, foi recapturado em julho de 2014, porque estava foragido. Mas a fuga não foi apurada pela Susepe, e Esequiel permaneceu no semiaberto.
– Em fevereiro de 2015, ganhou direito a nova prisão domiciliar. Em outubro de 2015, foi preso preventivamente sob suspeita de estuprar uma vizinha da família dele, em Gravataí. A divulgação do caso levou outra moradora da região a registrar queixa de estupro contra Esequiel. Em maio de 2016, teve o regime regredido para o fechado.
Márcio da Silva Lewis, 29 anos
– Conhecido como Madruguinha, é apontado como integrante de uma quadrilha de traficantes radicada no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre.
– Condenado a 20 anos por homicídio e porte ilegal de arma, começou a cumprir pena em 2010.
– Em junho de 2015, ganhou direito de ir para o semiaberto. Mas por causa da falta de espaço em albergues, foi autorizado a cumprir pena em casa. Durante um ano, até junho de 2016, se apresentou 52 vezes na Susepe, mas, mesmo assim, não surgiu vaga para ele.
– Em junho de 2016, foi condenado a mais 22 anos por duas tentativas de homicídios cometidas em fevereiro de 2008. Antes de ouvir a sentença desse julgamento, Madruguinha sumiu do Fórum Central e está foragido. Dias depois, o TJ confirmou outra condenação, de mais 16 anos por um homicídio cometido em agosto de 2008.