A Polícia Civil entrou a noite de ontem ouvindo familiares e vizinhos do número 335 da Rua José Marcelino Martins, no bairro Itú-Sabará, na zona norte da Capital. Nesses depoimentos, os policiais esperavam colher as primeiras pistas para explicar a execução de cinco pessoas da mesma família. Nesse endereço, por volta das 11h de ontem, a única sobrevivente da família deparou com os corpos dos irmãos, da mãe e dos dois sobrinhos.
Havia 12 anos que Porto Alegre não testemunhava um crime com tantas mortes. Em 26 de abril de 2004, cinco vítimas, também da mesma família, foram executadas na Zona Norte.
Dezenas de pessoas cercaram a casa durante toda a tarde acompanhando o trabalho dos policiais e peritos. Quem chegava ficava chocado ao descobrir a identidade dos mortos: Lourdes Felipe, 64 anos, os filhos Walmyr Felipe Figueiró, 29 anos, e Luciane Felipe Figueiró, 32 anos, e os netos João Pedro Figueiró, cinco anos, e Miguel, de um mês, ambos filhos de Luciane.
Os corpos estavam todos nos chão, nos quartos e na sala. Pelo estado de decomposição, estariam mortos há quase uma semana, o que levou os agentes a usar máscaras para o trabalho (foto abaixo).
– Foram mortos de forma violenta. Aparentemente, somente o bebê e o rapaz (Walmyr) não foram a tiros. Os demais, sim. O menino de cinco anos levou um tiro na cabeça. Mas somente a perícia vai determinar a causa da morte de todos – afirmou o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo, que esteve no local.
O bebê chegou a ser dado como desaparecido, mas acabou encontrado embaixo do corpo da mãe, atingida com um tiro nas costas. Nenhuma arma foi localizada na residência, apenas cápsulas deflagradas de munição calibre 22.
A falta de movimento na residência desde a sexta-feira passada chamou a atenção dos vizinhos. Por isso, decidiram alertar a outra filha da moradora, que foi na manhã de ontem ao local. Lá, encontrou portas e janelas fechadas. Ao tentar entrar no pátio, descobriu o portão trancado. Por isso, teve de chamar um chaveiro. A porta da casa, entretanto, estava destrancada. O cachorro da família estaria no interior da residência.
– A casa é grande e estava muito desorganizada, bagunçada. Mas não que alguém tenha feito isso, era costume da família. Foi bem difícil fazer o trabalho lá dentro – contou o delegado.
Os investigadores encontraram 10 petecas de droga junto ao corpo de Walmyr. Até a noite de ontem, não se sabia de qual tipo. Apesar disso, o delegado evita fazer relação da chacina com o tráfico de drogas ou qualquer outra motivação.
Família seria tranquila, segundo vizinhos
Moradores do bairro tomaram conta a estreita rua onde foram encontradas as vítimas. Os mais chegados à família conseguiam se aproximar da filha que descobriu os corpos da mãe, dos irmãos e dos sobrinhos, desolada em uma cadeira de praia aberta na calça e dentro do cordão de isolamento.
– Eram bem tranquilos, não se tinha qualquer queixa deles na vizinhança. De vez em quando, iam para Santa Catarina, tinham parentes lá – disse um morador.
Ninguém nas proximidades relatou ter ouvido tiros ou alguma discussão nos dias anteriores ao crime. O cheiro, forte em alguns momentos enquanto os peritos realizavam o trabalho, também não foi percebido pelos moradores.
Na vizinhança, o clima era de consternação e de incredulidade, assim como nas redes sociais. Maria Lucia Almeida, 56 anos, recebeu a notícia do Recife, onde mora atualmente. A dona de casa foi vizinha da família e diz que, quando voltava a Porto Alegre, fazia questão de visita-los.
– Dona Lurdes era uma criatura muito querida, segurava a barra de toda a família. Não estou exagerando, era do bem, protetora de animais e umbandista, ajudava qualquer ser – relata Maria.
Lurdes era viúva, aposentada e teve três filhos. Vivia com dois deles – Walmyr, conhecido como Neguinho, e Luciane – e os dois netos, há muitos anos no número 335 da Rua José Marcelino Martins. A terceira filha, Cláudia, que já não morava mais lá, foi quem encontrou os corpos, após ser acionada por vizinhos.
O síndico Rogério Lopes Corbacho, 31 anos, estudou com Cláudia há mais de uma década na Escola Estadual de Ensino Médio Japão, que Walmyr e Luciane também frequentaram, e também morou no bairro Jardim Itu-Sabará.
– Lamento o que aconteceu com a Dona Lurdes e sua família. Pessoas simples, educadas e sempre de bem com a vida. Eram amigos de todos que conheciam. Inexplicável uma barbaridade dessas, parece mentira – comentou Corbacho.
As perguntas sem resposta da Polícia
Quando foram as mortes?
Somente a perícia poderá precisar, mas estariam mortos há quase uma semana
Quais as hipóteses da polícia? acerto de contas, vingança, execução?
Até ontem, a polícia não descartava nenhuma possibilidade.
Por que o(s) autor(es) do crime não arrombou(aram) a casa? Tinha chave? Entrou pela janela?
Aparentemente, entrou sem resistência e, ao sair, trancou o portão. Mas a polícia não avançava nisso ontem.
Como morreram as vítimas encontradas sem marcas de tiros?
É possível que tenham sido baleadas, o estado de decomposição pode mascarar esses ferimentos
Qual a arma do crime?
Para três das vítimas, foi uma arma calibre 22. Mas ela não foi encontrada no local até a noite de ontem.