Quando ouviu aquele barulho, que parecia uma saraivada de tiros, Viviane Dorneles, 35 anos, correu para o portão de casa, na vila Recanto do Algarve, em Alvorada, mas foi impedida de passar dali por um guri armado.
- Pelo amor de Deus, eu preciso sair porque o meu filho está na rua - pediu.
- Está na rua? Então está morto - gritou o guri correndo em direção ao Arroio Feijó, que faz o limite da vila com o Loteamento Timbaúva, em Porto Alegre.
Quando saiu, Viviane viu o filho agonizando. Jonas Dorneles de Souza, 16 anos, foi atingido por sete disparos. Três amigos dele - nenhum com antecedentes - também foram mortos, e uma menina de 14 anos, irmã de um deles, foi ferida na perna.
Os moradores tentam entender o motivo para a chacina que vitimou Jonas, Cristian Rodrigues de Assis, 19 anos, Brayan Ildo de Andrade, 16 anos, e Andrey Flores Monticelli, 16 anos, mas também estão temerosos pelo que ainda possa acontecer.
A marca de sangue no chão e os dez cartuchos de pistolas que ainda eram recolhidos pela polícia deixavam claro o motivo do medo.
- Quando eles (os atiradores) saíram, gritaram que voltavam para tocar fogo nas nossas casas. Para onde a gente vai? - disse uma moradora.
Desde a noite de domingo a vila começou a esvaziar. Pelo menos duas famílias com crianças pequenas foram para casas de parentes. Na segunda-feira, uma moradora de 38 anos arrumou a mochila da filha.
- Estou mandando ela para a casa da avó - disse.
Município violento
Depois de perder o filho, Viviane também não pensa em voltar à vila onde criou ele e outros dois filhos, de 13 e 18 anos.
- Meu filho nunca fez nada para ninguém, era estudioso, trabalhador e morreu desse jeito. Eu não quero perder mais ninguém - desabafa a mãe.
Conforme a estatística mantida pelo Diário Gaúcho, Alvorada foi, proporcionalmente, o município mais violento da Região Metropolitana no ano passado. Foram registrados 152 homicídios. Em dois meses deste ano, já ocorreram pelo menos 28 assassinatos.
Jovens morreram de graça
A escola estadual Gentil Viegas Cardoso suspendeu as aulas na segunda-feira. Os quatro amigos assassinados reiniciariam o ano letivo nessa escola.
Jonas cursaria o segundo ano do ensino médio. Nas férias, ele trabalhou em um súper da Capital e, segundo a mãe, procurava um novo emprego. Cristian Rodrigues era o aniversariante do domingo. Ele cursava a sétima série no supletivo e trabalhava em uma metalúrgica de Porto Alegre. Andrey, que era vizinho de Cristian, era montador de móveis. O único que ainda não trabalhava era Brayan. Tinha outra missão. À tarde, cuidava do irmão pequeno.
O histórico das vítimas reforça a suspeita de que tenham morrido de graça. Para a polícia, o episódio marcou o início de uma provável invasão de traficantes do Loteamento Timbaúva na vila. A estratégia de terror, com a tomada de casas e expulsão de famílias, já havia sido usada dois anos atrás, no loteamento da Zona Norte de Porto Alegre.
O delegado Cassiano Cabral garante que resposta será rápida.
- Esse crime foge da normalidade e provavelmente atingiu vítimas inocentes. Solucioná-lo é prioridade para a nossa equipe - diz.
Na segunda-feira, os agentes já tinham conseguido identificar alguns suspeitos da chacina.
Invasão veio do Timbaúva
Por volta das 19h de domingo, várias crianças brincavam na esquina onde acontecia o aniversário de Cristian. Ao ouvir os tiros, um vizinho correu para salvá-las e se viu na mira de uma espingarda calibre 12. O criminoso atirou, mas errou.
A vila havia sido invadida pelos dois lados por um grupo de cerca de 15 jovens armados com pelo menos duas espingardas calibre 12 e pistolas 9mm e .380. Vinham do Loteamento Timbaúva. Parte deles atravessou a pé o Arroio Feijó, que limita Porto Alegre e Alvorada.
Outro grupo chegou em um Logus escuro. O primeiro alvo foi o grupo de amigos que estava encostado no muro da casa de Brayan - em frente à residência onde acontecia o aniversário. Ao todo, a polícia contabilizou mais de cem tiros.
Depois da chacina, seguiram pela vila, atirando para o alto. Aos gritos, diziam que voltariam e incendiariam casas. Até as 2h, a polícia ficou no local, mas, para os moradores, os policiais deveriam estar lá sempre.
- Se eles voltarem, matam todos - diz um deles.