A mais importante ligação econômica do Mercosul, na fronteira oeste gaúcha, virou corredor do crime organizado sob o controle de quadrilhas internacionais de tráfico de pessoas.
Saiba como os "coiotes" atuam na fronteira do Brasil com a Argentina
Indícios apontam que imigrantes ilegais vindos do outro lado do mundo para tentar a sorte no Brasil e na Argentina e que passam por Uruguaiana e Paso de los Libres estão sendo aliciados para atividades clandestinas em algum ponto entre Buenos Aires e São Paulo. Nas duas cidades estariam os comandos dessas quadrilhas.
Essa seria uma das razões para a surpreendente invasão de forasteiros nas duas cidades da fronteira, fazendo prosperar redes de coiotes, responsáveis pela travessia ilegal dos estrangeiros de um país a outro, sobre a ponte internacional ou pelas águas do Rio Uruguai.
Embora a maioria das respostas para esse fenômeno ainda seja desconhecida, suspeitas levam a acreditar que o movimento de estrangeiros ilegais na fronteira é coordenado por duas máfias distintas. Uma exploraria a prostituição de jovens asiáticas e outra usaria africanos como mulas para o tráfico de cocaína e para o contrabando. Parte deles se faz passar por vendedores de bijuterias.
Desde março, quando o movimento migratório irregular se intensificou, em média 10 estrangeiros por mês são impedidos de ingressar ou mandados embora do Brasil pela Polícia Federal (PF) em Uruguaiana. Mas o número de imigrantes ilegais pode ser bem maior.
- A gente vê que são uns 10, 12 por dia, indo e voltando da Argentina - diz um taxista de Uruguaiana, que não se identificou.
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Nos últimos cinco meses, em Paso de los Libres, a Gendarmeria (responsável pelo controle de fronteiras da Argentina) já flagrou 80 imigrantes ilegais vindo do Quênia, do Senegal, da Nigéria, de Burkina Faso, de Marrocos e da China. Há suspeitas de que fariam tráfico de pedras preciosas e diamantes introduzidos no corpo.
- Já escutamos isso, mas nada foi comprovado. É um dilema para nós. Alegam que vendem semijoias, mas isso não rende muito e andam com boas quantias de dinheiro - afirma o comissário-inspetor Ricardo Barboza, chefe regional da polícia na cidade.
No mês passado, um nigeriano teve roubados US$ 10 mil (cerca de RS 20.230). Na sexta-feira, dois senegaleses, com documentação em dia, foram vítimas de assaltante e perderam R$ 2,5 mil em pesos (cerca de R$ 1.250).
Cocaína lançada na Argentina é repassada depois ao Brasil
Outros dois homens vindos do Senegal e da Nigéria foram presos recentemente em Passo de los Libres carregando, cada um, cerca de três quilos de cocaína. Um outro africano abandonou uma mochila com documentos e quatro quilos de cocaína ao ser parado na ponte.
- Eles não têm trabalho, não têm profissão, não sabem ler e como têm dinheiro para contratar advogados? - espanta-se Maria Eugenia Esquivel, secretária da Justiça Federal na cidade.
Desde a entrada em vigor no Brasil da Lei do Abate, em 2004, que permite a derrubada a tiros de aviões que transportam drogas sobre o espaço aéreo brasileiro, fardos de cocaína costumam ser arremessados no lado argentino da fronteira para depois chegarem ao Brasil.
Entrevista: "Do nada, pessoas não caem em Uruguaiana"
O combate aos crimes envolvendo imigrantes ilegais na Fronteira Oeste levou para Uruguaiana a delegada Paula Dora. Atual chefe da Divisão de Cooperação Jurídica Internacional da corporação em Brasília, Paula está à frente da investigação para identificar e capturar grupos de coiotes e quem alicia imigrantes clandestinos para cometer crimes.
Zero Hora - O que está acontecendo em Uruguaiana?
Paula Dora - Uruguaiana vive um movimento migratório entre Brasil e Argentina que reflete a crise mundial. Estrangeiros procurando oportunidades de trabalho em outros países, que, às vezes, por questões imigratórias, não têm documentação regular, e acham mais fácil pagar um coiote.
ZH - Em média são de 10 a 12 estrangeiros por dia cruzando a fronteira?
Paula - É possível. A Argentina está se fechando para certas nacionalidades que estão dando problemas, muitos apresentavam documentos falsos.
ZH - Os coiotes estão se aproveitando disso?
Paula - Claro. Quando a pessoa tem dificuldade de ingressar em um país, por causa de barreira imigratória, a primeira coisa que ela pensa é usar o coiote. São duas figuras diferentes: o que só atravessa a fronteira por meio de um pagamento de R$ 30 e tchau. E os que integram organizações criminosas que utilizam essa população flutuante, não documentada, para cometer delitos.
ZH - Quantos grupos agem em Uruguaiana?
Paula - Ainda não sabemos. O assunto está chamando a atenção, recebendo muitas denúncias. No mês passado foram mais de 10, contra pessoas que estariam envolvidas em várias atividades. E a partir delas, estamos investigando para ver se chegamos a organizações dos dois tipos.
ZH- Quais tipos?
Paula - Os coiotes e os que exploram o trabalho dos imigrantes.
ZH - Os coiotes daqui têm ligações com criminosos de São Paulo?
Paula - Não posso afirmar. Ainda estamos em fase de investigação.
ZH - Mas tem uma articulação com criminosos de fora?
Paula - Tem. Assim, do nada, as pessoas não caem em Uruguaiana.