Esta é a história de 162 vidas que se cruzaram em Porto Alegre, há 10 anos, em uma das mais conturbadas casas da então Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem), hoje Fase. Nesta reportagem, ZH revela o destino desse grupo de adolescentes cujos delitos os reuniram em 1º de janeiro de 2002 na Comunidade Socioeducativa (CSE).
A casa é considerada a de perfil mais complexo da Fase, pois reúne principalmente os adolescentes autores dos atos infracionais mais graves e que são mais velhos - de 18 a 21 anos.
O destino dos 162 adolescentes, uma década depois daquela internação, poderia ser contado só em números. Eles falam por si:
135 foram presos sob suspeita de terem cometido crimes;
114 foram condenados;
55 estão presos;
48 morreram.
A maioria dos mortos foi executada a tiros antes de completar 25 anos, vítimas de vinganças ou de cobranças ligadas ao tráfico. Deixaram como herança para famílias cercadas pela violência pelo menos 17 filhos órfãos de pai. As histórias de esperança são escassas. Dos 114 ex-internos vivos, apenas dois não voltaram a ter seus nomes registrados em ocorrências policiais ou em processos criminais.
Mais do que estatísticas, o levantamento de ZH expõe rostos e trajetórias de jovens que, em muitos casos, foram vítimas antes de se tornarem infratores. Nascidos em berços pobres, forjaram a personalidade, os valores e os limites - ou a falta deles - em ambientes insalubres, lares marcados por brigas domésticas e separações conjugais, ausência de figura paterna, desemprego e abuso de álcool e de drogas. Foi o terreno fértil para cultivar a revolta, afastá-los dos cadernos escolares e torná-los presas da criminalidade.
Um cenário cujo caminho natural foi a internação na Febem, instituição que fracassou em sua meta de ressocialização para mais de uma centena deles.
A Febem virou Fase em maio de 2002 com nova proposta de tratamento a adolescentes infratores. Mas não sumiu por completo. Ainda habitam suas unidades práticas da antiga cultura de atendimento a internos, como o excesso de medicação para acalmá-los e agressões.
O retrato feito nesta reportagem mostra que, para este grupo de jovens, a fundação não conseguiu intervir em uma realidade na qual família e escola já haviam falhado. Dos 162 adolescentes, 127 tiveram mais de uma internação ou passagens tumultuadas por agressões a outros internos ou a monitores.
- Durante anos, enquanto fui monitora, me arrependi de ter entrado (na fundação). Diante dos nossos olhos tem um celofane, e tu enxergas o mundo colorido. A Fase te arranca isso. Fica tudo preto e branco - interpreta Débora Perin, hoje coordenadora jurídica da Fase.
Pelo menos 114 daqueles 162 adolescentes voltaram às ruas formados no crime. Antes com rostos e nomes protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - que proíbe a identificação de menores de 18 anos que cometam atos infracionais -, ganharam destaque no noticiário policial. Inscreveram em seus currículos crimes de repercussão. Mataram policiais e crianças, integraram quadrilhas, roubaram carros e assaltaram bancos.
O que, então, em meio a tantas tragédias de responsabilidades coletivas, resgatou poucos deles do abismo da delinquência? O amor dirigido a uma mulher, a um familiar ou a Deus está presente nas histórias de superação que ZH descobriu nesse périplo em busca de ex-internos da CSE. Quem teve chance de estudo e de trabalho também pode emergir do mergulho na criminalidade.
Um drible nada fácil para meninos que conheceram a violência cedo, como vítimas e como algozes.
Assista ao teaser da série: