O fornecimento de droga ao Rio Grande do Sul sofreu um duro golpe no sábado, com a prisão de um dos maiores barões do tráfico do continente, o gaúcho radicado no Paraguai Erineu Soligo, o Pingo.
Sua captura foi a mais importante de uma série de detenções recentes, que desmantelaram as quadrilhas responsáveis pela maior parcela da droga comercializada no Estado. A ofensiva contra os cartéis enfrenta agora o desafio de bloquear a reorganização do narcotráfico.
Soligo foi detido pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) paraguaia, em uma de suas fazendas, na região de Pedro Juan Caballero. No local, os policiais apreenderam armas, além de R$ 51 mil, US$ 10 mil e 12 mil euros. Soligo era o traficante mais procurado do país. Sua importância era tal que o próprio presidente, Fernando Lugo, foi até a sede da Senad para recolher informações. O filho de Pingo, Jonathan Soligo, foi preso ontem no Mato Grosso do Sul.
No Brasil, Pingo tem contra si uma condenação de 15 anos na Justiça Federal de Passo Fundo e outra de 26 anos na Justiça Federal de Ponta Porã. As sentenças são por tráfico internacional de drogas. Ele fugiu 14 anos atrás ao Paraguai, onde adquiriu fazendas. Ao chegar à sede da Senad, em Assunção, alegou jamais ter trabalhado com o narcotráfico:
- Não conheço ninguém do PCC ou do Comando Vermelho. Trabalho com a agricultura de milho no Brasil. Não tenho negócios com tráfico.
Com a recente captura do também gaúcho Paulo Seco, ficaram neutralizados os chefes dos dois bandos que mais abasteciam de droga o Rio Grande do Sul. A desarticulação se completou com a prisão de Juraci Oliveira da Silva, o Jura, e Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão.
PF aposta no intercâmbio
Apesar das vitórias, não há tempo para comemoração. O delegado Luís Fernando Martins Oliveira, do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico, prevê que os subalternos dos traficantes vão assumir o controle.
- Pelo menos em um primeiro momento, eles terão dificuldades. Mas se trata de uma atividade muito lucrativa. Neste momento, já há pessoas que estão se organizando para tomar o lugar de quem foi preso. O problema não está resolvido - alerta.
De imediato, é dado como certo que a droga vai escassear no mercado gaúcho - e que seu preço vai disparar. Para que o efeito seja permanente, no entanto, a polícia precisa ter êxito em três frentes: impedir os líderes presos de agir a partir dos presídios, sufocar a rearticulação dos grupos afetados e vigiar o fortalecimento de novas quadrilhas. Segundo o superintendente da Polícia Federal no Estado, Ildo Gasparetto, ambas as coisas serão feitas. Ele anuncia para os próximos dias o pedido de extradição de Soligo e tem expectativa de que o Paraguai utilize uma legislação que permite leiloar os bens em curto prazo. Gasparetto promete ações para impedir a retomada do tráfico por outras pessoas:
- Serão ações para promover a repressão e impedir a reorganização.
Uma das apostas do superintendente da PF é a articulação das polícias dos países sul-americanos. Hoje, há agentes federais brasileiros trabalhando nos principais países do continente, em parceria com as autoridades locais. No Paraguai, são dois policiais, entre eles um delegado especializado no PCC. A integração, uma estratégia dos últimos anos, foi fundamental para a prisão de Paulo Seco e de Soligo.
- Investigamos Soligo por 12 anos e mostramos à polícia paraguaia a importância de prendê-lo - justifica Gasparetto.
Outra mudança de estratégia na ação das polícias brasileiras foi mudar o foco da apreensão de drogas para o cerco aos chefões. Antes, a ênfase estava em apanhar carregamentos. Os chefes seguiam intocados, remetendo mais droga. Adotou-se então um trabalho voltado aos peixes grandes - premiado no sábado com a captura de Soligo.
* Colaborou Sabrina Corrêa
Numa comparação com o jogo de cartas, veja o poder de cada um dos traficantes do RS presos nos últimos anos:
PINGO
- Procurado havia 14 anos pela polícia, Erineu Soligo era chefe de uma quadrilha própria, que produzia e distribuía droga no Brasil. Foi identificado como responsável pelo envio aéreo de 500 quilos de maconha e 30 de cocaína do Paraguai para o Uruguai, em abril de 2005. Numa operação contra o tráfico de drogas, a PF interceptou, em Santana do Livramento, o avião. Gaúcho, ficou conhecido nacionalmente durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o narcotráfico, em 1999. Teve a prisão preventiva decretada com base no depoimento de traficantes. Teria sido sócio de Fernandinho Beira-Mar.
NEI MACHADO
- O ex-patrão de CTG Nei Machado deixou Passo Fundo para virar patrão do tráfico. Era o braço direito de Fernandinho Beira-Mar, controlando as operações de fornecimento de droga do criminoso no sul do Brasil. Residiu no Estado até 1996, quando teve a prisão decretada e fugiu para o Paraguai. Conhecido como Pitoco, foi preso em 19 de fevereiro de 2001 na região de Barranco de Minas, na Colômbia, durante a Operação Gato Negro, do Exército do país. Ele estaria sob proteção das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Em 2005, foi extraditado para o Brasil.
PAULO SECO
- Depois da prisão de Nei Machado, seu número 2, José Paulo Vieira de Mello, 41 anos, assumiu o comando da quadrilha, que fornecia droga para o Estado. Foi preso pela polícia uruguaia em San José de Carrasco, um balneário na região metropolitana de Montevidéu, no dia 5 de junho deste ano. Foragido havia pelo menos oito anos, Paulo Seco manteria relações com o Comando Vermelho, facção criminosa do Rio de Janeiro. É apontado como um dos principais traficantes, responsável por grandes carregamentos de drogas para o Sul do país. Durante os anos de fuga, escondeu-se no Paraguai e na Bolívia.
PAULÃO
- Paulo Ricardo Santos da Silva, 51 anos, era um barão local, receptando a droga e revendendo-a no varejo de Porto Alegre. Chefiava o tráfico na Vila Maria da Conceição, bairro Partenon, em Porto Alegre. Até a sua prisão, em 11 de março, estava foragido havia 18 meses por crimes de tráfico e homicídio. Foi preso pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) em Copacabana, no Rio de Janeiro, onde morava havia um ano. Na capital fluminense, se fazia passar por empresário do meio artístico. O site de relacionamentos Orkut ajudou a identificar a localização do fugitivo.
JURA
- Como Paulão, Juraci Oliveira da Silva, 35 anos, era um varejista. Chefiava o tráfico no Campo da Tuca, em Porto Alegre. Foi capturado no dia 12 de maio deste ano no Paraguai, em Bella Vista, na fronteira com Mato Grosso do Sul. A lista de crimes de Jura inclui tráfico internacional de drogas e homicídio, com suposta participação no assassinato do médico Marco Antônio Becker, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina, em 2008. Fotos fornecidas por agentes da 20ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre, que estiveram em março na fronteira Brasil-Paraguai, ajudaram a polícia paraguaia a identificar o criminoso.
Estratégias contra o crime
A polícia derrubou os líderes do tráfico, mas ainda há riscos. Saiba o que é preciso para evitar a reorganização dos criminosos:
RISCO 1
- Comando a partir das prisões - Ter capturado os principais barões da droga não é suficiente para mantê-los fora de atividade. Eles podem coordenar ações de dentro dos presídios e usar os bens acumulados para financiar novas operações.
- O antídoto - Os chefes apanhados pela polícia devem ser mantidos em prisões de segurança máxima. No caso de Pingo, é importante pedir sua extradição para o Brasil. Outra medida é tomar os bens dos criminosos capturados, como forma de deixá-los sem recursos para agir. A legislação paraguaia prevê o leilão desses bens em um curto período, com os recursos sendo depositados em uma conta judicial até que a Justiça se pronuncie em definitivo.
RISCO 2
- Reorganização das quadrilhas pelos subalternos - Como a demanda pela droga persiste e promete lucro, a tendência é de que o segundo e o terceiro escalões das redes desarticuladas se mobilizem para tomar o lugar dos chefes. Eles só precisam retomar o contato com os fornecedores e os vendedores no varejo e reativar as rotas.
- O antídoto - As polícias não podem se desmobilizar. Elas sabem quem são os subalternos do tráfico e devem acompanhá-los de perto. O confisco dos bens dos chefes é fundamental, para que eles não sejam transferidos para aqueles que continuam nas estruturas criminosas. Punir os barões da droga com rigor mostra a potenciais traficantes que o caminho não é promissor.
RISCO 3
- Ascensão de novos grupos - O desmonte de uma quadrilha cria oportunidade para que grupos criminosos de menor expressão ocupem o espaço deixado vago, cresçam e assumam o controle.
- O antídoto - Para brecar a aparição de novas quadrilhas poderosas, é importante que as polícias federais dos países sul-americanos trabalhem em conjunto e que estejam articuladas também com as polícias locais. Na medida em que novas apreensões ocorram nos pontos de venda ou nas rotas de abastecimento, a troca de informações entre as corporações policiais é importante para que se refaça o caminho da droga e se identifiquem os novos grupos que estão se formando, antes que eles ganhem força.