A doença de Huntington é uma condição genética e extremamente rara, que afeta a coordenação motora, a cognição e o psicológico. A estimativa é de que, mundialmente, exista 10 casos da doença para cada 100 mil pessoas, podendo a proporção em determinado local variar de acordo com a etnia. A Associação Brasil Huntington (ABH) acredita que, no Brasil, aproximadamente 20 mil pessoas tenham o gene responsável pelo distúrbio. A doença atinge adultos de diferentes faixas etárias e não tem cura.
— Vamos imaginar o DNA como se fosse uma escadinha com vários degraus. A doença de Huntington é causada por uma expansão do DNA, que ocorre durante o processo de divisão celular. Isso significa que uma parte dessa escada tem mais degraus que o normal, sendo responsável por causar a doença — explica a neurologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Sheila Trentin.
A quantidade de degraus é proporcional ao risco de desenvolver a doença. Segundo a médica, um DNA com até 26 degraus é considerado o normal da população saudável. Entre 27 e 35, o paciente não desenvolve a doença, mas o filho dele pode desenvolver. A doença de Huntington é hereditária e segue um padrão autossômico dominante, então um único gene mutado de um dos pais é suficiente para transmitir a doença.
— De 36 a 39 degraus é uma área cinzenta em que o paciente pode ter ou não a doença. A partir dos 40 degraus, todo mundo desenvolve. Quanto maior a expansão, mais cedo o paciente pode desenvolver a doença. Normalmente, acontece por volta dos 35 ou 40 anos de idade. Cerca de 5% dos casos desenvolvem antes dos 20 anos. Essa condição, conhecida como Huntington juvenil, ocorre em quem tem mais de 60 degraus de expansão — acrescenta a neurologista.
Sintomas
Os sintomas costumam aparecer já na vida adulta e, no começo, se desenvolvem sutilmente. A doença afeta a coordenação motora, a cognição e o sistema neuropsiquiátrico do paciente. Não existe um padrão de como esses sinais podem surgir. Em algumas pessoas, os três grupos de sintoma aparecem simultaneamente. Em outras, pode afetar um aspecto diferente por vez.
A coreia, condição que se caracteriza por movimentos involuntários, breves e repetitivos, é um dos sinais mais comuns. Esse sintoma, que lembra a síndrome de Tourette, é tão característico que, antigamente, a doença costumava se chamar coreia de Huntington. Em outros estágios da doença, o paciente pode enfrentar rigidez muscular, aumento da resistência do tônus muscular e dificuldade de falar e engolir, sintomas motores que lembram a doença de Parkinson.
— Na parte cognitiva, esses pacientes podem ter disfunção executiva. Eles começam a ter dificuldade para realizar movimentos mais complexos, e é como se desaprendessem o que é preciso para conseguir abrir uma garrafa, por exemplo. Esses quadros podem evoluir para a perda de memória e, até mesmo, um quadro demencial — acrescenta Sheila.
Já do ponto de vista psicológico, pessoas com Huntington podem ter transtorno obsessivo compulsivo (TOC), ansiedade, depressão, sentimentos de perseguição, irritabilidade, apatia e agressividade. Segundo a neurologista, casos de suicídio entre portadores de doença de Huntington não são incomuns.
— Huntington é que nem a doença de Parkinson ou Alzheimer. Os pacientes não morrem disso, mas eles ficam tão fragilizados que aumenta o risco de terem doenças oportunistas, ficarem acamados e falecerem. Então é uma condição que encurta muito a expectativa de vida — defende Sheila. Ela explica que os médicos trabalham com uma janela de 15 a 20 anos de duração da doença após o início dos sintomas motores.
Diagnóstico e tratamento
O médico geneticista e co-fundador da Casa dos Raros, Roberto Giugliani, explica que o primeiro desafio de pessoas com doenças raras é o diagnóstico. No caso da doença de Huntington, não é diferente. A porta de entrada é o médico neurologista, mas mesmo dentro da especialidade é possível encontrar dificuldades de receber o diagnóstico correto.
— A doença de Huntington tem um pouco de Parkinson, um pouco de Alzheimer, e de várias outras condições. Então ela acaba sendo confundida com outras. Nesse caminho, que chamamos de odisseia do diagnóstico, é comum receber diagnoses equivocadas. Por isso é importante buscar médicos especialistas — afirma Giugliani.
Além da análise dos sintomas, é necessário observar o histórico familiar e fazer exames genéticos para acertar o diagnóstico. Os pacientes costumam contar com apoio psicológico durante essa investigação, porque, segundo os especialistas, os resultados podem abalar o emocional, uma vez que a doença de Huntington não tem cura.
Os tratamentos disponíveis se concentram em aliviar os sintomas, melhorar a qualidade de vida e oferecer apoio emocional e psicológico aos pacientes e suas famílias. São usados medicamentos para reduzir a coreia e melhorar os aspectos psiquiátricos. Segundo Sheila, a principal reclamação dos pacientes é a coreia. Já os familiares se queixam dos sintomas neuro-cognitivos.
— Importante enfatizar que não tem como prevenir ou retardar a doença. Mas se o paciente tiver uma boa reserva, ele pode viver melhor. Ou seja, esse paciente pode fazer tratamento com fonoaudióloga e fisioterapeuta para trabalhar preventivamente as questões de movimento e deglutição. Ou começar com acompanhamento nutricional e psicológico para garantir o ganho de massa muscular, o fortalecimento do corpo e da mente — sugere a neurologista.
*Produção: Yasmim Girardi