Silvia Sperling Canabarro (*)
Há quase 20 anos não tenho uma semana com noites de sono ininterrupto, a não ser em uma ou outra ocasião em que consigo viajar sozinha com meu marido.
Já houve noites, quando meu filho era pequeno, em que eu era acordada pelos seus gritos aterrorizados sem causa compreensível e sem nada que pudéssemos fazer para cessar a cena de horror, a não ser esperar que a calma e o sono retornassem à seu corpo e à sua mente.
Depois vieram as noites de insônia, com uma inquietação e agitação motora. Atualmente, sou acordada com sua entrada abrupta em meu quarto, o acender das luzes e os puxões de meus braços e pernas, retirando o edredom e me forçando a levantar da cama para atender seu simples desejo de me ver desperta.
Há quase 20 anos me esforço diariamente para organizar uma rotina de atividades que preencha o tempo e traga alegrias e momentos felizes no meio do caos e da instabilidade. Orquestro o exterior na intenção de equilibrar o interior.
Há quase 20 anos administramos diversos esquemas de medicações para aliviar sintomas, controlar convulsões e tornar a sua e a nossa vida uma existência que valha a pena ser vivida. Há quase 20 anos me esforço diariamente para organizar uma rotina de atividades que preencha nosso tempo e que traga alegrias e momentos felizes no meio do caos e da instabilidade. Orquestro o exterior na intenção de equilibrar o interior. Trago a natureza para dentro de nossa casa e crio ambientes que amenizam nossa dor e iluminem nosso lar.
Há quase 20 anos sou mãe de um filho autista.
Se muitas famílias dizem que a deficiência de seus filhos as tornaram melhores, eu, como mãe de um autista, não posso dizer o mesmo. Acho que não me tornei uma pessoa melhor, e sim mais crítica, ansiosa e realista.
Acho o mundo um lugar inóspito, com pessoas egoístas e intolerantes. A última mania de meu filho é parar de forma repentina durante nossas caminhadas, levantar um braço e abrir a boca. Isso se repete inúmeras vezes até o ciclo de maneirismo encerrar inesperadamente.
Recentemente, quando isso ocorreu em uma rua movimentada de Balneário Camboriú, me surpreendi com as atitudes de diversas pessoas, que chegaram a parar e ficar nos encarando como se fôssemos personagens de um show bizarro. Bocas entreabertas, olhares de surpresa e até de reprimenda direcionadas a mim, como se eu fosse responsável pelo comportamento interpretado como inadequado de meu filho.
São quase 20 anos de incompreensão sobre o que é ser autista e ser mãe de um autista. Neste mês de conscientização sobre o autismo, aproveito a oportunidade para clamar por tolerância e respeito. Tolerem meu mau humor após uma noite mal dormida e um dia conturbado, e respeitem as obsessões, os tiques e os rituais de meu menino grande.
(*) Nutricionista e mãe de autista