Maria Melania Wagner F. Pokorski (*)
O dia 31 de outubro é considerado a data mundial de conscientização do mutismo seletivo — estamos também no mês de conscientização, o Outubro Azul. O mutismo seletivo é um mal-estar que atinge as crianças ou os adolescentes no espaço escolar de modo mais evidenciado, podendo ser observado em outras situações em que eles tenham de falar no grupo.
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — 5ª Edição (DSM-5), da American Psychiatric Association, indica a ansiedade e a fobia social como sendo as principais características do mutismo seletivo. Essa condição não se desenvolve somente no momento de a criança ir à escola; este pode ser reflexo dos contatos iniciais no vínculo mãe-bebê, que podem ter sido frágeis, quando da organização da linguagem dessa criança.
Observa-se, nas últimas décadas, um número maior de queixas por parte de mães e/ou pais, nas redes sociais, em relação ao filho ou à filha de não fazer uso da linguagem falada em espaços não familiares. Na clínica, temos percebido uma maior procura com essa queixa por parte dos pais. Por ocasião do nosso doutoramento em Psicologia Social, decidimos direcionar a nossa pesquisa para este tema, visitando cinco escolas da Grande Porto Alegre, onde encontramos duas meninas do 2º ano do Colégio Anchieta e do 5º ano do Colégio J. Kennedy e três meninos do 5º ano da E. M. Grande Oriente, do 6º ano E. E. Emília Veiga e do 8º ano da E. E. Castro Alves. Os professores dessas turmas, em entrevista semiestruturada, mostraram-se impactados com a situação da presença de alguém com mutismo seletivo na sala de aula, solicitando-nos um maior conhecimento sobre o assunto.
Na psicanálise, Freud utilizou a expressão mutismo histérico em referência à paciente em análise Ana O., atendida por seu amigo Breuer, que ficou "desprovida das palavras" por um tempo, mesmo falando de quatro a cinco idiomas. Além de Freud abordar o mutismo histérico, Sophie Morgenstern publicou um artigo na Revista de Psicanálise, Um Caso de Mutismo Psicogênico, em 1927. Françoise Dolto resgatou o escrito de Morgenstern, mencionando-o no livro O Silêncio na Psicanálise, organizado por Nasio.
Na tese, foi-nos possível afirmar que as características do mutismo seletivo estão para além da ansiedade e da fobia social descritas pelo DSM-5, especialmente no que diz respeito ao self com falha na espontaneidade, à falta de confiança no outro, aos sentimentos de estranhamento ou de vergonha, às falhas na interioridade do sujeito, ou seja, falhas na conversação interior, associadas à pobreza de ideias, de imagens e de fantasias, bem como de um mundo da representação, do imaginativo e do criativo pouco investido.
A tese transformou-se em livro, intitulado O Mutismo Seletivo no Espaço Escolar, e contamos, com satisfação, com prefácio escrito por Celso Gutfreind, em que menciona: "E outra coisa é certa: a leitura dessa obra há de instrumentar educadores e terapeutas para lidar com essa manifestação de sofrimento cada vez mais frequente que é o mutismo seletivo, um silêncio aparentemente tão enigmático. O livro de Melania há de se tornar uma referência importante em sua área".
Em uma das situações da clínica, fomos procurados pela família de uma menina do 3º ano do Ensino Fundamental, que, no seu segundo atendimento, entregou-nos um envelope verde com uma folha em que havia desenhado a si mesma e à psicanalista, com um escrito: "Preciso de uma doutora que me ajude a falar". Winnicott destaca que, nas primeiras entrevistas, aquele que busca auxílio acredita e confia naquele que o oferece. O escrito da paciente marcava para sempre o pedido que ela me fazia. Com o passar do tempo, na adolescência, ela seguiu investindo no estudo de quatro idiomas — espanhol, inglês, italiano e alemão. Esse caso foi publicado na Revista Estudos de Psicanálise, intitulado Psicanálise: Quando o Falar É um Obstáculo.
Acreditamos que o tema mutismo seletivo precisa continuar sendo descortinado na teia das relações humanas. Teia tecida de vínculos que necessitam do cuidado diário do e com o outro.
(*) Psicanalista e psicopedagoga, autora de O Mutismo Seletivo no Espaço Escolar (2019)