Todos os dias, o médico geriatra e professor aposentado Yukio Moriguchi cumpre rigorosamente o que sempre apontou como os três pilares de uma vida longa: alimentação saudável, repouso adequado e atividade física.
— Depois do almoço, descanso uma hora e caminho uma hora — diz em japonês, sinalizando voltas pelo apartamento, onde faz o exercício rotineiro desde o início da pandemia.
Aos 95 anos, Moriguchi é considerado o pai da geriatria na América Latina. Ele dedicou mais de seis décadas ao estudo e ao ensino da longevidade. Um dos feitos de que mais se orgulha é ter sido conselheiro médico do Papa Paulo VI, de 1964 a 1967, antes de vir morar no Brasil.
Enquanto professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde trabalhou até os 89 anos, Moriguchi criou o Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG). Posteriormente, recebeu do Imperador do Japão a Comenda do Serviço Médico Humanitário — seu prêmio preferido.
Formada por essas e inúmeras outras histórias, a longa estrada do especialista está eternizada nas páginas do livro Yukio Moriguchi: Segredos de Longevidade e Fé do Pai da Geriatria na América Latina. Escrita pelas jornalistas Ana Paula Acauan e Magda Achutti, a obra foi lançada durante a inauguração do Instituto Moriguchi — Centro de Estudos do Envelhecimento, em 26 de novembro, na cidade de Veranópolis. Com tiragem reduzida para distribuição no evento, a obra teve apoio do Instituto Moriguchi e da Fundação Universidade Aberta para Terceira Idade do Amazonas. A expectativa das autoras é de que, em breve, o livro esteja disponível para venda no site da Amazon.
A partir de entrevistas com o biografado, familiares, ex-colegas, ex-alunos e ex-funcionários, Acauan e Achutti narram o início da carreira de Moriguchi, após sua formação em Medicina pela Universidade de Keio, no Japão, em 1948; a ida para a Itália e a primeira viagem ao Brasil, em 1955, quando conheceu a esposa, Lia; o nascimento dos quatro filhos: Emilio, Inácio, Cristina e Vicente; a mudança definitiva para o país e todas as conquistas obtidas ao longo dos anos.
De acordo com as autoras, Moriguchi ajudou a formar em torno de 1,3 mil médicos geriatras e contribuiu para o aumento da expectativa de vida da população: "Quando chegou, o brasileiro vivia em média 52,5 anos. Em 2019, pré-pandemia, o número saltou para 76,6". Para o especialista, as pessoas começaram a se cuidar mais. Ele acredita que seus alunos que viraram professores ajudaram a repassar seus ensinamentos sobre alimentação e hábitos saudáveis, o que pode ter colaborado para a conscientização e, consequentemente, para a mudança nos números.
Para ter uma vida longa, Moriguchi enumera nos dedos três tópicos. O primeiro refere-se ao repouso: recomenda oito horas de sono por dia. O segundo é manter uma boa alimentação, cuidando para não consumir muita gordura animal ou exagerar no sal e no açúcar. Por fim, o terceiro é se exercitar pelo menos uma hora por dia.
Sua rotina segue regrada. Acorda às 6h30min, toma um copo de leite morno e, das 7h às 9h, assiste às notícias do Japão pelo canal da NHK. Em seguida, o café da manhã: uma tigela de arroz, de natto (alimento tradicional japonês feito de soja fermentada) ou um sanduíche. O almoço também costuma ter pratos típicos do Japão. À noite, geralmente come apenas uma maçã ou uma pera cozida.
Diz que as pessoas devem passar um pouquinho de fome nesse período do dia para que, de manhã, possam comer bem. No tempo livre, aproveita para ler livros e o jornal Zero Hora, enquanto a esposa faz o sudoku e as palavras cruzadas. O que não entende do português ele pesquisa no dicionário ou anota no quadro branco da sala de estar para perguntar para os familiares depois. Às 20h, já está na cama, mas só vai dormir às 22h.
Além das caminhadas diárias no apartamento, faz fisioterapia duas vezes por semana com a neta Clara Takako Moriguchi, que está no último ano do curso na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo a estudante, o objetivo do exercício, também feito com Lia, 93 anos, é manter a funcionalidade e a força de ambos, que são bem preservadas, apesar da idade. Até o início da pandemia, o professor também subia escadas.
Sayuri Maruyama, que trabalha com o casal desde 2013, relata que os dois são muito independentes e ficam sozinhos quando ela não está. O professor e a esposa preparam as refeições quando necessário e não precisam de ajuda para tarefas diárias, como lavar a louça e tomar banho. Além de remédio para a pressão, eles tomam apenas vitaminas, para ajudar na prevenção de problemas de saúde.
O instituto em Veranópolis
O começo dos estudos em Veranópolis, cidade da serra gaúcha conhecida como Terra da Longevidade, também é narrado no livro de Acauan e Achutti. Com início em 1994, as pesquisas no município deram origem ao Instituto Moriguchi, localizado junto ao Hospital Comunitário São Peregrino Lazziozi e comandado por seu filho primogênito, Emílio, e outros três especialistas: Berenice Maria Werle, Neide Maria Bruscato e João Senger.
— Ele se sente muito honrado em haver um instituto com seu sobrenome — diz Lia.
Senger, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia — Secção RS (SBGG-RS), foi aluno de Moriguchi na pós-graduação e arrisca dizer que metade dos geriatras do país tiveram aulas com o professor. O médico começou a especialização em 1990 e conta que, na época, era algo esquisito ser geriatra, mas gostava de atender idosos.
— Se o instituto existe hoje, é graças a Yukio Moriguchi. Ele dizia nas aulas que não adiantava só envelhecer, que tinha que envelhecer com qualidade de vida. Nos ensinava, naquela época, coisas que os outros médicos achavam que não era da medicina. E ele estava certo. Vejo o instituto como uma continuidade do seu trabalho — afirma Senger.
"Um legado e uma honra", diz Emilio Moriguchi
Nascido em Tóquio, no Japão, Emilio Moriguchi veio para o Brasil com a família quando tinha 10 anos. Em 1982, seguindo os passos do pai Yukio, formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, em 1991, concluiu o doutorado na área de concentração em geriatria pela Tokai University School of Medicine, no Japão. Hoje, aos 63 anos, o filho primogênito dá continuidade ao trabalho de Yukio. É professor de Geriatria na UFRGS, chefe do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e diretor do Instituto Moriguchi, inaugurado em 26 de novembro, em Veranópolis.
No livro, o senhor conta que chegou a pensar em ser padre, mas, a pedido de seu pai, ingressou na medicina. Por que se especializar na mesma área?
A escolha pela geriatria foi ao natural, sem a pressão do pai. Quando me formei em Medicina na UFRGS em 1982, fiz residência em medicina interna e percebi que muitos pacientes internados eram idosos, com condições difíceis de doenças concomitantes, o que me levou a continuar com a residência em geriatria com o pai na PUCRS. Naquela época, seus ensinamentos ainda eram inovadores e desafiadores. Ele foi o fundador da geriatria preventiva no Brasil, e também nos países africanos de língua portuguesa, por meio de programa da Jica (Japan International Cooperation Agency). Foi quem lançou a ideia de que a geriatria não era só atender aos idosos doentes, mas também (e muito mais!) trabalhar com as pessoas (desde jovens!) e educá-las para um envelhecimento com saúde e qualidade de vida.
O doutor Yukio cita três pilares para a longevidade: alimentação saudável, repouso e atividade física. O senhor acrescentaria algum?
Concordo com o grande mestre que esses três elementos são essenciais. Eu acrescentaria, em termos de longevidade com qualidade de vida e feliz, como vários estudos mais atuais comprovam, a importância do convívio social, da companhia dos familiares e amigos ao longo da vida e, principalmente, na velhice.
Seu pai é descrito como um professor rigoroso, que dava muito valor ao cumprimento das regras e horários, por exemplo. Em casa, com os familiares, como o senhor o descreveria?
O pai sempre foi rigoroso na disciplina, mas sempre foi um pai carinhoso e preocupado com a família. Quando pequeno, me lembro que ele sempre nos trazia presentes quando viajava a congresso ou para dar aulas. Estava sempre preocupado com a nossa educação dentro e fora de casa e, mesmo depois de formados e cada um seguindo o seu caminho, está sempre preocupado conosco, rezando por cada um de nós e oferecendo apoio sempre que nos encontrávamos nos finais de semana. Enfim, é um pai bom, rigoroso, mas carinhoso, um avô e um bisavô carinhoso!
Como é estar à frente do instituto que leva o sobrenome da família?
Um legado e uma honra! Em 1994, quando retornei do meu pós-doutorado e Fellowship em Geriatria nos EUA, já vim com uma missão do meu mentor japonês, professor Goto, e do meu mentor americano, professor William Hazzard, de descobrir o local de maior longevidade no Brasil e pesquisar o que era necessário para envelhecer bem e com saúde. O município de maior longevidade, pelos dados do IBGE, era Veranópolis. Fomos até lá e continuamos até hoje, 27 anos depois, de forma ininterrupta. Graças aos trabalhos de pesquisa, com várias dissertações e teses de doutorado publicadas, o nosso Projeto Veranópolis ficou conhecido mundialmente e, em 2018, recebemos reconhecimento do Ministério da Saúde para construirmos uma sede para o Instituto Moriguchi.