Em mais de quatro décadas dedicadas às salas de cirurgia e ao consultório, o cirurgião cardiovascular Fernando Lucchese tornou-se um grande colecionador de histórias. Mais do que isso: desenvolveu a habilidade de contá-las de forma leve e acessível para os leitores não-médicos. Em sua obra mais recente, a 19ª dedicada ao público leigo, o médico fala sobre como a doença impacta na vida das pessoas. Intitulado Segunda Chance – A Vida Depois da Doença, o livro traz um apanhado de histórias de pacientes que deram a volta por cima ou se entregaram após o baque de uma doença grave.
Ao longo de 144 páginas (L&PM, R$ 36,90), Lucchese disserta sobre a importância de mudar o estilo de vida após superar uma doença e também sobre como a felicidade pode ser determinante para o sucesso de um tratamento. Segunda Chance tem sessão de autógrafos marcada para a próxima terça (5), às 18h30min, na Feira do Livro de Porto Alegre.
Esse é o seu 19º livro para o público não-médico. Qual a ideia central da obra?
A ideia é mostrar a vida do médico que convive com pacientes que passam por doenças graves e, depois de curados, criam um problema para si. Ficam deprimidos, mudam para pior, ao contrário de ver o lado bom. A segunda chance é a situação em que a pessoa deixa de ter a doença e enfrenta a vida com outro colorido: com alegria, otimismo. Existe uma forma muito escapista de encarar a doença. A gente não fala em doença, não fala em morte e nem em azar. A proposta é: vamos falar sobre doença e como superá-la. Vamos ouvir a doença dos outros para evitar. Evitar falar em doença não cura, pelo contrário, perde-se a oportunidade de evitá-la. Prevenção é conhecimento.
Na obra, o senhor fala que a doença é o maior assalto ao ser humano. Por quê?
Para evitar assaltos, costumamos ouvir histórias: de como roubam em um lugar, como agem em outro. A doença é como um assalto contra a saúde. É inesperado. Estás bem e, de repente, enfarta.
Achamos que somos eternos e evitamos falar em doença. E prevenção é um mau negócio, vende pouco. Tu já viste alguma clínica de prevenção de infarto? Não tem.
O livro começa falando que não somos eternos. Queria saber se o senhor tem acompanhado os estudos que prometem a vida eterna ao homem e o que acha deles.
Nós não somos eternos e nunca seremos. Conquistamos e temos conquistado a longevidade a duras penas. O Brasil, hoje, é o país que envelhece mais rápido: um ano de sobrevida a cada três anos. No Ocidente, os anos a mais são conquistados através do tratamento de doença, que consome 10% da vida. Já no Oriente, as pessoas vivem mais, mas têm uma gripe e morrem. O que algumas populações têm mostrado é que nem sempre a tecnologia aumenta a longevidade. Definitivamente, não fomos feitos para sermos eternos. Nosso coração e sistema vascular morrem antes que o resto do corpo. É uma fragilidade natural. O coração é um fraco que se pretende forte, tanto que é o que mais sofreu com o século 20 e a escalada das doenças do coração.
Qual é a nossa real dificuldade com a prevenção?
Isso é intrínseco ao ser humano, principalmente ao homem. É algo que vem do DNA das cavernas ainda, quando ele precisava ser destemido para buscar alimento enquanto a mulher cuidava da prole. Esse DNA continua: do homem destemido e da mulher cuidadora. Por que não estamos habituados e não montamos a vida na prevenção? Porque achamos que somos eternos e evitamos em falar na doença. E prevenção é um mau negócio, vende pouco. Tu já viste alguma clínica de prevenção de infarto? Não tem.
Esperança não é a última que morre. Ela nunca morre. Se tu perdes a esperança, a doença progride mais rápido. Os batalhadores permanecem vivos por mais tempo.
O senhor fala que nos preocupamos mais com o trabalho do que com a saúde. Por quê?
Um sujeito engajado em um grande projeto quer voltar logo. Depois de 15 dias de cirurgia, eu não seguro mais um empresário. Mas tem grupos que procuram evitar o trabalho e arrumam desculpas.
Sobre a doença: manter a esperança, em alguns casos, não seria alimentar uma falsa realidade? O que é melhor: acreditar na cura ou se entregar à morte?
Esperança não é a última que morre. Ela nunca morre. Se tu perdes a esperança, a doença progride mais rápido. Desesperançosos encurtam a vida. Os batalhadores, que veem diferente, esses permanecem vivos por mais tempo.
O senhor menciona que mais da metade dos cânceres e dos infartos entra pela boca. O que isso quer dizer?
O grande problema é que a comida industrializada está trazendo consequências que não conseguimos avaliar. Em algumas zonas do planeta com maior número de centenários, não tem industrializados.
E a culpa, como nos torna doentes?
A culpa é um forte gerador de doença. E mais: o ato de não perdoar o outro e a si também. Essas pessoas vivem em maior estresse, têm mais adrenalina, mais vasoconstrição, hipertensão, diabetes. O mecanismo é basicamente esse.
Qual o papel da felicidade na segunda chance?
É a equação do Lucchese: estilo de vida = saúde = felicidade. Quem tem tudo realizado, na vida pessoal, financeira, familiar, alimentação adequada e exercícios em dia, é saudável e mais feliz. Isso leva à longevidade. Felicidade e longevidade são irmãs siamesas. Felicidade leva à longevidade. Achamos que somos eternos e evitamos em falar na doença. E prevenção é um mau negócio, vende pouco. Tu já viste alguma clínica de prevenção de infarto? Não tem.