Em meus sonhos, ela era um monstro da mitologia grega: sem olhos, pele coberta de feridas, boca vermelha de sangue; uma montanha de pura dor que eu teria de enfrentar sozinha. Acordei suando antes que meu despertador tocasse às 4 horas, receosa das tarefas do dia, lutando contra o amargor e a dúvida a cada passo de minha caminhada gelada através do Rio Charles até o hospital. Durante o dia, eu era o monstro, a torturadora.
As inúmeras injustiças que impus a seu corpo em nome do tratamento me assombravam. Prendia seus membros feridos tentando chegar à sua artéria femoral com agulhas toda vez que ela tinha uma febre.
Eu murmurava palavras de desculpas, chamando-a de querida, minha amiga, duvidando que pudesse me ouvir, sabendo do vergonhoso desajuste de cada sílaba dos meus sussurros. Aplicamos sedativos poderosos em suas veias na tentativa desesperada de abrandar sua agonia, antibióticos para combater as constantes infecções, drogas para suprimir suas convulsões.
Ela era jovem e forte, lutava muito, independentemente do que fizéssemos; tentava arrancar o tubo de respiração da garganta toda vez que se aproximava de um nível de consciência que permitisse o movimento voluntário. Suas pálpebras foram costuradas para evitar que seus olhos ressecassem, mas isso não impedia que as lágrimas rolassem pelo rosto. Na unidade de cuidados intensivos de cirurgia de queimados, ela viveu esse pesadelo em uma cela aquecida feita do que parecia ser filme plástico: uma intervenção necessária, pois ela havia perdido toda a pele.
Antes de sua doença, ela era uma estudante com diagnóstico de transtorno bipolar, tomando obedientemente uma medicação antipsicótica; em seguida, uma ligeira erupção cutânea e lábios inchados se transformaram na síndrome de necrólise epidérmica tóxica, a rara e temida complicação farmacológica que fez sua pele se encher de bolhas e derreter. Ela estava com 20 e poucos anos – mais jovem que eu –, mas ninguém sabia se sobreviveria; ninguém se lembrava de ver um caso tão severo. Sua única chance era que conseguíssemos mantê-la viva até que seu corpo pudesse regenerar a camada de pele que havia perdido.
Durante esses dias, eu frequentemente me lembrava de Dax Cowart, um veterano do Vietnã que sofreu queimaduras devastadoras após uma explosão de gás na década de 1970, e que suportou 14 meses de tratamento agonizante – que ele não queria. Seu caso, um pilar dos seminários de ética médica, foi notável pelo fato de que tentou recusar o tratamento – racionalmente, persistentemente, articuladamente –, direito que lhe foi negado por seus médicos. Ele sobreviveu, casou-se, foi para a faculdade de direito e continuou a argumentar que seus médicos deveriam ter respeitado seu desejo de não aceitar o tratamento, deveriam ter permitido que ele morresse. Seu caso foi usado no crescente movimento dos direitos do paciente para promover a primazia da autonomia nos princípios da ética médica.
Na minha opinião, a situação da minha paciente era ainda pior que a dele. Durante o tempo em que cuidei dela, ela permaneceu sedada e em um ventilador, o que significa que teria sido incapaz de nos dizer que parássemos de tentar, um desejo que eu certamente teria se estivesse em seu lugar.
No fim do meu mês no serviço de cirurgia de queimadura, suas condições, nas palavras do meu atendente, eram "estavelmente instáveis", e fugi. Não verificava seus relatórios nem pedia atualizações aos colegas, coisa que sempre fiz com tantos pacientes de quem cuidara antes dela. Eu estava certa de que ela morreria e tinha certeza de que havia ajudado a fazer de suas últimas semanas na terra um show de horrores insuportável, indigno e implacável.
Três anos mais tarde, em outro hospital, no meio de uma noite de plantão tranquila, um nome familiar apareceu no painel do pronto-socorro. Embora a aparência da minha paciente tivesse mudado – ela parecia ao mesmo tempo menor e maior do que eu me lembrava –, eu a reconheci na hora, e, quando ela entrou com sua cadeira de rodas e ficou em pé, com as pernas tremendo, para ir até a cadeira de exame, eu disse a ela quem eu era. Disse que sabia que ela não se lembraria de mim, mas que eu tinha sido uma de suas médicas durante seu primeiro mês no hospital, e lhe contei como estava impressionada ao ver quanto havia se recuperado.
"Acho que eu gostaria de abraçá-la", disse ela em uma voz gentil e musical, e quando fez isso percebi que sua nova pele era macia e brilhante como cetim.
Conversamos por uma hora, seu noivo de queixo caído na cadeira ao lado dela, meu pager misericordiosamente silencioso, toda a sua história sendo narrada no meio da noite. Antes de adoecer, disse-me ela, planejava ir para a faculdade de medicina; agora, queria falar com os estudantes de medicina sobre sua experiência como paciente.
Ela relatou as inúmeras e surpreendentes consequências de sua doença: a dor que nunca passava, as dificuldades que enfrentou tentando encontrar médicos que não tivessem medo de tratar um paciente com uma história tão complexa, outros médicos que a acusavam de simplesmente estar em busca de analgésicos. Ela explicou que, depois de tudo por que passou, seus médicos haviam eliminado o diagnóstico de transtorno bipolar. Ela detalhou as operações que fez para substituir as membranas dos olhos. E foi espirituosa – até mesmo engraçada – ao me mostrar uma foto do filho que havia tido fazia um ano ("meu milagre"), descrevendo o pânico que sentiu quando passou por um cateterismo da bexiga pouco depois de dar à luz.
Ela sempre quis conhecer as pessoas que cuidaram dela e sonhava em ir à UTI para ver todos, agora que seus olhos estavam abertos, mas se preocupava com o que a volta àquele espaço faria à sua frágil recuperação emocional.
Íamos facilmente dos risos às lágrimas. Ela sempre quis conhecer as pessoas que cuidaram dela e sonhava em ir à UTI para ver todos, agora que seus olhos estavam abertos, mas se preocupava com o que a volta àquele espaço faria à sua frágil recuperação emocional.
Então: "Os médicos do primeiro hospital queriam me dar morfina. Queriam desistir."
Respirei fundo. "Você alguma vez desejou que eles tivessem feito isso?", perguntei eu, com medo da resposta. "Você alguma vez desejou que tivéssemos parado?" Mas ela balançou a cabeça. Contou que só se lembrava de ir para a sala de emergência com uma febre alta e uma erupção cutânea, não tinha certeza se reconheceria a unidade onde passara mais de três meses.
"Realmente, acho que não acordei até estar reabilitada", disse ela. E, agora, não conseguia imaginar nunca ter tido seu filho, não planejar seu casamento com o noivo. Tudo que lhe fizemos – ainda com consequências – valeu a pena.
Falamos então do motivo de sua visita e consegui ser sua médica novamente: diagnostiquei uma infecção, tratei sua dor, tomei cuidado extra para ter certeza de que obteria o acompanhamento especializado do qual precisava. "Obrigada por me ouvir", disse ela, me abraçando novamente, e então se foi, nosso reencontro acabara. Quando saí da sala, me senti um pouco mais leve, pois começava a me livrar de um fardo que nem percebera que ainda carregava.
Na manhã seguinte, quando me preparei para sair do hospital, senti-me doente e curada, exposta e protegida, tudo ao mesmo tempo. As portas se abriram e as atravessei, queixo erguido para sentir o vento frio e a luz do sol quente do inverno no meu rosto.
Por Dra. Alessandra Colaianni