Logo que começam, vem aquela ilusão de que terão a duração da eternidade: serão uns dois meses longe da sala de aula, do uniforme, dos livros, das provas, do horário rigoroso para ir para a cama e, principalmente, para se levantar pela manhã. Férias escolares combinam com uma rotina solta, mais atividades de lazer e menos rigor no cumprimento de tudo aquilo que os pais cobram durante o ano letivo. Mas, como está chegando a hora de dizer adeus à alegria descompromissada do verão – muitos estudantes, inclusive, já estão em aula –, é preciso também promover uma readaptação da alimentação e dos hábitos de sono para que esse recomeço seja mais tranquilo.
E não basta que apenas a criança ou o adolescente voltem a entrar no modo de operação regular – toda a família precisa se envolver na nova rotina para que se obtenham resultados efetivos. Quanto maior o desregramento permitido durante as férias, alerta a nutricionista Magali Martins, maior é a dificuldade para retomar a rotina:
— Voltar à regra de supetão é mais difícil. Vai depender muito da família, que é o exemplo. Se a família é desregrada, é difícil que a criança e o adolescente também não sejam. É necessário o comprometimento de todos.
Deve-se iniciar a transição alguns dias antes. Se na época de descanso era permitido ficar acordado até mais tarde e dormir até a hora que desse vontade, agora é preciso reinstituir um padrão para deitar e levantar. Quem despertava perto do meio-dia, destaca Magali, acostumada à vivência no ambiente escolar, muitas vezes pulava o café da manhã por já estar quase na hora do almoço, refeição que podia não apetecer – pensando bem, não é mesmo todo mundo que vai ter vontade de comer arroz, feijão e bife minutos depois de deixar a cama, não é mesmo? Quando falta fome no almoço, é comum que o adolescente coma pouco e, logo em seguida, já sinta vontade de começar a beliscar, mesmo antes do lanche da tarde. Resultado: come-se um monte de besteiras pouco nutritivas e carregadas de calorias.
— É diferente de ter levantado mais cedo, já ter feito alguma atividade, ter gastado um monte de calorias e estar com fome. Almoçando mal, todo o seu dia vai ser mais lento. Eles estão em fase de desenvolvimento, precisam de mais calorias, vitaminas, proteínas. Um dia, dois não vão influenciar, mas são praticamente as férias todas assim — observa Magali.
O mais indicado, portanto, é passar a acordar mais cedo antes do retorno ao colégio, para que se retome o hábito daquela que é considerada a refeição mais importante do dia. Uma reeducação alimentar se mostra fundamental, uma vez que as atividades escolares envolvem um desgaste físico e mental muito grande. Se o seu filho não tem apetite e reclamar por ter de comer antes de sair de casa, é preciso insistir: vá aos poucos, aumentando paulatinamente o tamanho das porções oferecidas à mesa do café. Assim, cria-se o hábito do desjejum, e o corpo vai começar a "pedir" pelo alimento de manhã cedo (veja algumas sugestões para o café abaixo).
Não basta que os adultos apenas ditem as regras: pais e mães também devem entrar no ritmo, servindo de exemplo com suas atitudes e criando bons hábitos.
— O ideal é todo mundo comer a mesma coisa. Não tem como dizer "eu vou tomar refrigerante, mas não é saudável para você". É difícil querer introduzir a salada, que já é difícil para os adultos, imagine para as crianças, se o adulto com quem ela convive não come salada. Cada um tem que ter a sua parcela de sacrifício. Para que a criança tente, o adulto tem que tentar também — afirma Magali.
Apagar a luz é para todo mundo na casa
Durante o ano letivo, é tempo de jantar e ir para a cama mais cedo. Se os membros da família têm horários diferentes para as refeições durante o dia, e principalmente se não conseguem realizá-las em casa, à noite é um bom momento para tentar fazer com que todos se sentem juntos para comer. Após a refeição, recomenda-se um período de pelo menos duas horas para a digestão. É importante criar um ambiente propício para o repouso – de nada adianta falar para os pequenos que é preciso ir para o quarto e apagar a luz se o restante da casa permanece "aceso", em ruidosa movimentação. Nesses casos, eles tendem a seguir o comportamento dos pais, dormindo mais tarde.
Fernando Stelzer, neurologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e especialista em sono, explica um fato que é desconhecido por boa parte das pessoas: durante a adolescência e até o início da vida adulta, existe uma tendência de atraso para o início do sono. Ou seja, seu filho não fica acordado até de madrugada só por conta do celular ou do videogame. Trata-se de uma mudança fisiológica em andamento para essa faixa etária. Por consequência, ele tende, também, a despertar mais tarde.
— Os pais não percebem essa tendência, e, com os estímulos, os adolescentes dormem ainda mais tarde. O ideal seria fazer um retreinamento de horários de sono. Se o adolescente estuda de tarde, não vai sentir esse problema. Quem estuda de manhã vai notar dificuldade de acordar cedo e resistir. Tem que reensinar, no mínimo, uma semana antes, fazendo a higiene do sono — afirma Stelzer.
Por higiene do sono, entende-se a série de recomendações para que se criem condições adequadas a um repouso de qualidade. Ao anoitecer, diminua a iluminação dos ambientes, preferindo a luz indireta e de abajures. Reduza também estímulos sonoros e visuais. Devem ser evitadas bebidas estimulantes, como café, chimarrão, chá preto, energéticos e refrigerantes à base de cola. Alguns eletrônicos têm uma luz especial para utilização noturna, que deve ser ativada. Pelo menos meia hora antes do horário estipulado para ir para a cama, o uso de videogames, computadores, tablets e celulares precisa ser interrompido.
— O quarto não tem que ter nada: TV, videogame, computador, celular, essas coisas não devem estar lá — orienta o médico, comentando que muitos pais recorrem ao desligamento da rede wi-fi doméstica para garantir que os filhos não burlem as regras.
Sugestões para o café da manhã
Crianças
As quantidades devem ser pequenas, mas o importante é que a refeição tenha variedade:
- Porção de fruta (meia maçã, fatia de mamão ou melão)
- Leite
- Pão de queijo ou sanduíche
- Omelete, ovo quente ou mexido em cima de uma fatia de pão
Pré-adolescentes e adolescentes
Para os maiores, as quantidades aumentam:
- Leite ou iogurte com cereal e/ou banana
- Fruta
- Pão (não necessariamente, pois o carboidrato pode entrar no lanche da manhã, na escola: um pão de queijo, um sanduíche natural ou um salgado assado)
- Ovo quente
Dicas para a alimentação
- Crianças por volta dos três anos tendem a ser muito seletivas: a cor do alimento incomoda, a textura não agrada... Como elas estão em uma fase de contestação e autoafirmação, o alimento se torna um meio pelo qual tentam impor a vontade delas. Não ceda às chantagens, trocando a fruta pelo salgadinho industrializado. Insista nas opções saudáveis. Quando houver muita resistência, procure variar as formas de apresentação. Se seu filho não gosta de fruta, faça testes com sucos. Também não agradaram? Então tente um bolo, por exemplo, para que, pelo menos, ele vá se acostumando ao sabor das frutas. É importante ter persistência. Em algum momento, você deverá conseguir vencer as negativas.
- Para as crianças e, especialmente, os adolescentes que não sentem fome de manhã cedo, comece a criar o hábito ofertando pequenas porções de alimentos variados, que devem ser aumentadas gradativamente. Trata-se da refeição mais importante do dia. Insista! Pulá-la é uma péssima escolha, que também poderia acarretar no aumento da fome no meio da manhã _ e o que seria um lanchinho, no recreio, passará a ser um lanchão.
- Procure fugir de um cardápio sempre ou quase sempre igual.
- Cuidado com o uso prolongado da mamadeira. Pode ser mais prático preparar o leite que a criança toma no carro, a caminho da escola, mas não leve esse hábito longe demais.
- É comum que alguns estudantes retomem as atividades com um peso superior àquele anterior ao período de férias. Com o reinício das aulas de Educação Física e, em alguns casos, da prática de outros esportes no contraturno, o quadro tende a se normalizar. Se o sobrepeso for marcante, em qualquer época, procure a orientação de um especialista.
- Nos dias mais quentes, cuidado com o que coloca na lancheira do seu filho. Os alimentos podem acabar estragando sem refrigeração. Prefira sucos prontos (procure os integrais, com 100% de fruta) e opções de alimentos industrializados mais saudáveis, como biscoitos e palitinhos integrais ou bolinhos com pouca quantidade de sódio. Crianças mais acostumadas a uma alimentação saudável podem levar um mix de sementes (nozes, castanhas etc.) ou chips de frutas secas (banana, maçã, abacaxi).
- Sempre que possível, envolva as crianças na organização dos lanches que serão levados à escola. Elas vão ficar orgulhosas do que ajudaram a preparar.
- Se seu filho costuma comprar a merenda na cantina, não esqueça de sempre orientá-lo sobre as melhores alternativas de lanches. Alguns pais restringem a gama de opções a que as crianças podem ter acesso, falando com os administradores da lanchonete, mas o melhor a fazer é ensinar as bases de uma alimentação equilibrada em casa. Não delegue à escola um papel que deve ser seu.
- Não cerque a criança de vetos. Tudo que é proibido, ressalta a nutricionista Magali Martins, torna-se desejado. Pequenas escapadas podem ser permitidas eventualmente. Faça combinações. Refrigerante? Pode tomar no final de semana, moderadamente, mas durante a semana tem que ser água e suco natural. O doce preferido? Quando formos ao shopping ou em uma festa de aniversário.
- É fundamental introduzir o costume de beber água.
Dicas para o sono
- Recomenda-se manter uma rotina de horários fixos para dormir e acordar. Basta um final de semana muito alterado para quebrar o padrão, o que fará com que seja mais sofrido acordar cedo na segunda-feira.
- A prática de exercícios físicos e uma alimentação saudável, rica em nutrientes, contribuem para boas noites de sono.
- É importante cuidar do horário em que é feita a última refeição. O jantar deve ser servido pelo menos duas horas antes de ir para a cama, permitindo uma digestão adequada.
- Demarcar bem os períodos de luz e escuridão ajuda o cérebro a "entender" quando é hora de dormir e de acordar. Reduzir a exposição à luz, mesmo que artificial, no período da noite ajuda na chegada do sono. Evite deixar muitas luzes acesas pela casa. De manhã, é bom se expor ao sol.
- Com o fim do horário de verão à meia-noite deste sábado (16), o relógio, que deve ser atrasado em uma hora, volta a ficar mais de acordo com os horários do sol. Amanhece e anoitece mais cedo, o que dá mais ânimo para levantar, pela manhã, e induz a sonolência antecipadamente, à noite.
Fontes: Associação Brasileira do Sono, Fernando Stelzer, neurologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e especialista em sono, e Magali Martins, nutricionista
Preparação para a volta à rotina
A preparação para o ano letivo de 2019 começou com meses de antecedência para a família Bigatti. Com a entrada do caçula no colégio "grande", o publicitário Alberto Pietro Bigatti, 43 anos, e a jornalista Luciana Tornquist, 44, decidiram que era o momento de mudar de endereço. Em breve, o casal e os dois filhos, Stefano, seis anos, e Gianluca, 13, vão trocar um condomínio de casas no Sarandi por um apartamento no bairro Independência, a duas quadras do Colégio Rosário, na Capital. A mudança significará menos tempo de deslocamentos no trânsito e mais tempo livre e de convivência entre os quatro.
O ingresso de Stefano no 1º ano do Ensino Fundamental está deixando todos em grande expectativa.
— Ele está ansioso. Nós também — revela Alberto, autor do blog Pai Mala.
O limite de prazo estipulado pelos pais para a rotina mais frouxa dos irmãos era a última quinta-feira (7), aniversário de Stefano. Até então, os dias de folga haviam sido preenchidos com uma viagem à praia, banhos de piscina no clube e horários mais flexíveis de sono, especialmente para o mais velho, que ia para a cama por volta da 1h. Nada exagerado, "liberadão", como frisou o pai, mas sem tantas cobranças. A alimentação também passou por uma temporada de maior condescendência: em vez de um jantar "comida", a família pediu pizza ou fez torradas em algumas noites. Entraram algumas guloseimas na parada, e picolés eram permitidos pela manhã, antes do almoço, algo típico de praia e piscina. Ao comunicar que "vamos mudar esse ritmo", Alberto lembra que ouviu alguns gemidos por parte do primogênito. O pai estima que quase todo o tempo online do adolescente é dedicado a jogos e vídeos no YouTube.
— Sentimos que essa exposição maior ao computador deixou ele mais cansado, um cansaço pior, com um desgaste mental maior — constata.
Os guris também seriam envolvidos na organização do material escolar, etiquetando livros e preparando as mochilas.
— O Gianluca gostaria de ficar de férias por mais tempo. É um desafio a volta à rotina. Por outro lado, depois que as aulas começam, ele fica megaempolgado — conta o publicitário.
"Eles vão pegar no tranco durante o período das aulas"
Alexandre Hartmann, 53 anos, tem dois dos três filhos ainda na escola. Anita, nove anos, prepara-se para o ingresso no 4º ano do Ensino Fundamental, e Theodoro, 15, vai para o nono ano. A poucos dias da retomada, a dupla ainda estava em pleno ritmo de férias, deitando-se tarde e dormindo à vontade. Os materiais foram comprados cedo, e os irmãos participaram ativamente da escolha dos novos itens. O empresário acredita que não é necessário promover uma readaptação antes do reinício do ano letivo.
— Já está muito em cima da hora. Eles vão pegar no tranco durante o período das aulas, vão se adaptar conforme o barco for andando. Ali que tudo começa a se ajustar. São meio dorminhocos mesmo, sempre saem de casa meio arrastados, vão sentir a mudança — diz Alexandre.