Falar em reumatismo invoca, para muita gente, duas percepções: a de que essa é uma doença de idosos e que se manifesta pela “dor nas juntas”. Mas não é bem assim. O termo reumatismo se aplica a mais de uma centena de males, alguns afetando principalmente crianças e adolescentes. Além disso, eles não atingem somente as articulações – podem ser sentidos em ossos, tendões, músculos e espalhar complicações até para os órgãos internos.
O que todas as doenças reumáticas (termo mais abrangente, que tem sido usado pelos médicos) têm em comum é que elas debilitam os movimentos do corpo. Podem ser sinalizadas por uma dor na região lombar que não dá trégua, um incômodo que persiste sempre que se estica o braço ou ainda aquela pontada insistente na perna ao subir escadas.
– Essas doenças podem afetar todo o sistema músculo-esquelético, dos tendões aos ossos. Cada doença tem uma forma de acometimento, de dano, podendo até destruir uma articulação – diz o reumatologista Ricardo Machado Xavier, presidente da Sociedade de Reumatologia do Rio Grande do Sul.
São poucos os dados disponíveis sobre as doenças reumáticas no Brasil. O Ministério da Saúde estima que mais de 12 milhões de pessoas no país têm prejuízo na movimentação associado a esses males. Porto Alegre é a capital brasileira com maior índice da população que sofre com artrite ou reumatismo: 8,6% das pessoas de 18 anos ou mais afirmam ter recebido esse diagnóstico, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013. No Rio Grande do Sul, 7,8% dos gaúchos têm diagnóstico de artrite ou reumatismo.
Os mais afetados são mesmo os idosos: 22,7% das pessoas com 75 anos ou mais no Estado afirmaram ter um desses problemas, índice que diminui para 0,9% da população gaúcha de 18 a 29 anos. Mas isso não quer dizer que essas são “doenças de velho”.
– Cada mal tem sua faixa etária específica. Eles são mais prevalentes nos idosos, principalmente a osteoartrite (artrose), pelo desgaste natural das articulações com a idade. Mas há várias outras. O lúpus atinge mais as mulheres jovens. Existem ainda as artrites juvenis, que afetam crianças e adolescentes. A fibromialgia é mais comum em mulheres de meia-idade. As espondiloartrites são mais comuns em homens – enumera Xavier.
Em qualquer idade, fique atento aos sinais
Melhor não tentar ignorar, mesmo quando jovem, dores frequentes ou inchaço nas articulações por achar que isso é “coisa de velho”. Nem atribuir o problema à idade avançada e, justamente por isso, deixar de dar atenção ao que pode se mostrar uma doença séria. As doenças reumáticas costumam ser percebidas aos poucos, porque causam, em geral, dores que volta e meia ressurgem, mas seus efeitos não devem ser deixados de lado como um incômodo passageiro.
– Toda vez que o paciente tem dor ao realizar determinado movimento, ele deve ficar atento. Há incômodos comuns, que sentimos depois de um dia de trabalho ou após finalizar atividades físicas, mas existem outros que duram mais do que deveriam e exigem um diagnóstico adequado. E isso pode acontecer em qualquer idade – diz o reumatologista Claiton Viegas Brenol, também chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Independentemente da faixa etária, não dar atenção às mãos inchadas ao acordar, à dificuldade de se movimentar, considerando esses são problemas normais, pode significar que uma eventual doença reumática só vai piorar com o passar do tempo. Tentar ignorar as frequentes dores nas juntas – ou na coluna, no quadril – talvez leve a um diagnóstico tardio de algum reumatismo.
Há uma diferença bastante simples na sensação da dor que pode se mostrar útil para quem está na dúvida se sofre com alguma doença reumática. Dores do dia a dia costumam passar, ou ao menos dar um alívio, depois de uma boa noite de descanso. Com muitos tipos de reumatismo, ocorre o contrário: é ao acordar que o problema aparece com maior intensidade.
– A dor comum melhora depois do repouso; a reumática, piora. Nas doenças que são marcadas por um processo inflamatório, pela manhã o paciente acorda com dor, com rigidez, e isso melhora ao longo do dia – destaca Brenol.
O reumatologista alerta para o perigo de quem sofre com doenças reumáticas procurar “burlar” a dor, de uma maneira que alivie o incômodo em um local – na região lombar, por exemplo –, mas acabe compensando em outro – arqueando as costas, ou apoiando a coluna de um jeito que esconda, momentaneamente, aquela dor específica.
– O que muitos fazem quando estão com dor: deixam o problema quietinho, tentam ignorá-lo, e isso leva à atrofia muscular. Se o paciente tem dor e não trata, acaba gerando problemas em outras partes do corpo – complementa o médico.
Ao mudar a postura, ou encontrar maneiras de exigir menos de determinada articulação, pode ser que a dor transpareça menos, mas o problema só vai piorar. E, com o passar do tempo, os efeitos provocam dificuldades maiores de movimentação, e o tratamento fica ainda mais difícil.
Causas nem sempre são claras
De acordo com Claiton Viegas Brenol, reumatologista do Hospital Ernesto Dornelles, a causa de boa parte dessas doenças ainda não está clara. Sabe-se que há um fator genético no reumatismo e também impacto de hábitos como o tabagismo e má higiene oral, que podem contribuir para a artrite reumatoide. Estar acima do peso e ser sedentário também podem levar ao surgimento das doenças reumáticas.
Excesso de ácido úrico no sangue, que causa gota, e desequilíbrios no sistema imunológico, que podem levar ao lúpus, são alguns dos fatores claramente associados a esses males, mas pouco se sabe de relações causa-efeito. Alguns gatilhos, como infecções virais, quebram a tolerância imunológica e desencadeiam o problema.
Os reumatologistas trabalham nos casos de pessoas que relatam dificuldade para se movimentar ao acordar, dores constantes no corpo, inchaço nas articulações, diminuição da flexibilidade.
Não deixe o diagnóstico para depois
Quem vive com alguma doença reumática e não procura o diagnóstico correto ou deixa de seguir o tratamento adequado recomendado pelos médicos corre o risco até de perder a capacidade de se movimentar. Os reumatismos – que incluem condições degenerativas, como osteoartrite, inflamatórias, como a artrite reumatoide, e autoimunes, como o lúpus – são difíceis de perceber e fáceis de descartar como uma dorzinha qualquer, que contudo está sempre presente. E é aí que está o risco de se estar perdendo um tempo precioso no combate às consequências dessas doenças.
Uma das grandes preocupações dos reumatologistas é lidar com um diagnóstico tardio: não são raros os pacientes que só procuram auxílio médico anos, até décadas depois de terem percebido pela primeira vez um incômodo persistente na movimentação do corpo.
– Dependendo da doença, o diagnóstico tardio pode ser um ponto fundamental e a diferença entre conseguir controlar completamente a doença e não conseguir mais. A evolução desses problemas leva a deformidades e pode comprometer permanentemente uma articulação – destaca o reumatologista Ricardo Machado Xavier, presidente da Sociedade de Reumatologia do Rio Grande do Sul.
Por isso, médicos recomendam que, independentemente da idade, se preste atenção a sinais como uma dor lombar que tem se prolongado por meses, dores nas mãos e nos pés aliadas a inchaço e enrijecimento, além de um mal-estar geral, com cansaço, febre, etc. Se o relato desses problemas for desconsiderado em um atendimento de saúde, vale inclusive questionar: “será que isso não pode ser reumatismo?”.
– O diagnóstico tardio é um problema gravíssimo: quanto mais tempo se demora para iniciar um tratamento, mais um reumatismo pode evoluir para a incapacidade física, prejudicando a vida tanto no trabalho quanto no lazer – aponta Claiton Viegas Brenol, reumatologista do Hospital Ernesto Dornelles, em Porto Alegre.
O tratamento varia muito conforme a doença e o paciente. Geralmente, vai da indicação de atividade física à fisioterapia, uso de medicamentos e, para os casos mais graves, até cirurgia.
– Há muitas formas de tratamento, dependem do tipo de enfermidade. Em alguns casos, apenas a mudança de hábitos e medidas de orientação já podem fazer toda a diferença. Em outros, uma gama de medicamentos para alívio da dor, da inflamação e também do controle da doença, corrigindo as respostas da imunidade, são também indicados – explica o presidente do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), Fernando Neubarth.
Com o tratamento adequado, iniciado a tempo de evitar complicações mais graves, é possível levar uma vida sem dor e diminuir os riscos de incapacidade física.
Doenças reumáticas mais comuns
Artrite reumatoide
Dor, inchaço nas articulações, sensação de calor e vermelhidão por mais de quatro semanas são alguns dos sintomas. Segundo estudo da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia, aproximadamente 55% dos pacientes têm diagnóstico tardio – o que pode levar à incapacidade física e funcional. Apesar da origem genética, sabe-se que fatores ambientais também podem desencadear a doença, como o tabagismo. Estima-se que afete aproximadamente 1,5% da população, principalmente mulheres.
Fibromialgia
Manifesta-se por meio de dores em todo o corpo, provocando muita fadiga. Diferente da artrose ou da artrite reumatoide, que apresentam deformidades e inflamações, seu diagnóstico é mais difícil. A Sociedade Brasileira de Reumatologia calcula que 3% dos brasileiros sofrem da fibromialgia.
Gota
Doença inflamatória que acomete sobretudo as articulações e ocorre quando a taxa de ácido úrico no sangue está em níveis acima do normal. A maioria dos portadores de gota é composta por homens adultos, com maior incidência entre os de 40 a 50 anos – principalmente indivíduos com sobrepeso ou obesos, com vida sedentária e usuários de bebidas alcoólicas com frequência. Apesar de ter relação direta com o ácido úrico, nem todas as pessoas que estiverem com essa taxa elevada desenvolverão gota.
Lúpus
É uma inflamação que ataca os rins, pulmões, pele e esqueleto. Pode ocorrer em pessoas de qualquer idade, raça e sexo, porém as mulheres são muito mais acometidas. Ocorre principalmente entre 20 e 45 anos, sendo um pouco mais frequente em pessoas mestiças e nos afrodescendentes.
Osteoartrite (artrose)
A osteoartrite é o tipo de reumatismo mais frequente, representando cerca de 30% a 40% das consultas em ambulatórios de reumatologia. Tem certa preferência pelas mulheres, mas há localizações que ocorrem mais no sexo feminino, como mãos e joelhos, e outras no masculino, como a da articulação coxofemoral (do fêmur com a bacia). Por volta dos 75 anos, 85% das pessoas têm evidência radiológica ou clínica da doença, mas somente 30% a 50% dos indivíduos com alterações observadas nas radiografias queixam-se de dor crônica.