Parece uma receita para qualquer problema de saúde: ajustar a alimentação, dormir bem e fazer exercícios. E não é por acaso que a atividade física tornou-se parte dos cuidados no caminho para prevenção e controle de tantas doenças, recomendada por médicos para casos que vão desde a recuperação de um resfriado até o tratamento do câncer. Talvez poucos saibam, porém, que os benefícios podem ir além do papel de mero coadjuvante: há casos em que se mexer pode ter efeito igual, ou até maior, do que o de remédios.
Diz-se que, se alguém conseguisse reunir os benefícios do exercício em uma pílula, provavelmente ganharia o Prêmio Nobel de Medicina. Não há razão para esperar por um milagre desses. A atividade física é o método mais fácil, disponível e barato de se tratar uma série de questões de saúde. Não exige prescrição médica – ainda que, em alguns casos, isso possa ser útil –, tem efeitos imediatos e também benefícios a longo prazo. Por isso é tão presente nos receituários.
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Mesmo assim, é raro que alguém receba, como indicação de tratamento, somente as palavras "exercício físico".
– Em casos como colesterol alto, obesidade e pré-diabetes ou diabetes, além da hipertensão (de maneira mais discreta), exercitar-se adequadamente tem efeito semelhante ao tratamento de alguns medicamentos, se não superior. Sem falar no seu efeito de proteção para o corpo – enumera Charles Stefani, médico internista e cardiologista do Hospital Moinhos de Vento.
O papel da atividade física na prevenção de males é bem conhecido – e muito se fala em como o sedentarismo contribui para a predisposição a variadas doenças, das mais passageiras às que colocam a vida em risco. Mas, além de evitar seu surgimento, já há evidências indicando que o exercício pode ser, mesmo sozinho, aquela "pílula mágica".
– Conheço muitos casos de pessoas com hipertensão, colesterol alto, obesidade que, quando começaram a fazer atividade física direitinho, depois de um tempo chegaram a suprimir remédios, com o aval do médico.
O exercício pode acabar sendo o tratamento – relata Carmen Masson, presidente do Conselho Regional de Educação Física do Rio Grande do Sul (Cref-RS).
Movimentar-se ajuda o corpo a manter um equilíbrio, deixando, entre outros, os sistemas imunológico, cardiovascular e respiratório em dia – em um processo que a profissional de educação física compara ao de uma máquina que, se ficar parada, enferruja.
– Nosso corpo foi feito pra se movimentar. O exercício físico é bom para todo o organismo, para o metabolismo, para os ossos e, quanto mais rotineiro e equilibrado, maior o benefício – declara o cardiologista Gustavo Glotz de Lima, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (Socergs).
Pesquisas ainda são escassas
Entre os problemas que, mais do que evitados, podem ser resolvidos com a atividade física, estão fatores de risco para algumas das doenças que mais matam os brasileiros, como as cardiovasculares. Manter o colesterol e a pressão arterial em controle, por exemplo, contribui para evitar a incidência de infartos – a principal causa de mortes entre homens no país, conforme o Ministério da Saúde. Caminhar, correr ou nadar pode ser, portanto, tão eficaz quando a prescrição de medicamentos para uma vida saudável.
– Esse impacto ocorre de forma gradual, não é tão imediato como tomar um remédio e baixar a pressão. Mas as vantagens são enormes – garante o cardiologista Charles Stefani.
O exercício constante e moderado tem efeitos que vão desde a diminuição das taxas de açúcar do sangue até a redução das partículas de gordura nas artérias. Apesar de já terem sido comprovados em algumas doenças, seus benefícios não são conhecidos na totalidade porque há relativamente poucos estudos apontando os resultados específicos da atividade física no tratamento de doenças.
Em testes, pesquisadores geralmente avaliam o quão bem pacientes reagem a um medicamento quando comparado a outro – ou a nenhum – remédio, restando ao exercício um papel secundário. É escassa a produção de testes que comparem os resultados em termos de mortalidade, melhora na qualidade de vida e se a intervenção, aliada ou não a outro tipo de tratamento, reduz significativamente a chance de alguém morrer de determinada doença.
Mas há esforços nesse sentido, como o da iniciativa Exercise is Medicine (Exercício é Remédio), que começou nos Estados Unidos e se espalhou para outros países defendendo que a atividade física é fundamental na prevenção e no tratamento de doenças e, como tal, deveria ser mais regularmente considerada parte dos cuidados de saúde recomendáveis – inclusive, ganhando prioridade, quando justificável, sobre os medicamentos.
Exercícios na receita
Colesterol
Na maior parte dos casos, os níveis de colesterol podem ser controlados exclusivamente com exercícios. A atividade física ajuda a reduzir as taxas de LDL (o colesterol "ruim") e aumentar as de HDL (o bom). Contribui, também, especialmente quando somada à boa alimentação, para o equilíbrio no nível de triglicerídeos.
O que fazer para tratar: os melhores resultados surgem com a prática de atividades com maior intensidade – uma longa pedalada, uma corrida "puxada". Mas mesmo caminhadas leves e regulares podem ter impacto positivo.
Por que é bom controlar: níveis altos de colesterol agridem o coração, podendo causar uma série de doenças cardiovasculares, como o ataque cardíaco.
Diabetes
Principalmente em relação ao tipo 2 da doença, movimentar-se contribui para reduzir o açúcar do sangue e favorecer a ação da insulina – trabalho que, dependendo de cada caso, pode ter efeito semelhante ao de medicamentos.
O que fazer para tratar: o melhor é fazer mais exercícios aeróbicos, ou seja: mais de movimentação do que de resistência. Sua eficácia é tida como maior para manter a glicemia sob controle.
Por que é bom controlar: quem já tem a doença pode diminuir seus efeitos nocivos, garantindo melhor qualidade de vida, mas não deve substituir o tratamento pelo exercício.
Obesidade
Talvez o mais óbvio dos benefícios da atividade física seja a redução ou o controle do peso. Quando associada a um estilo de vida sedentário e a alimentação desregrada, é fator de risco para diversos problemas de saúde, inclusive o câncer.
O que fazer para tratar: a principal recomendação é conseguir manter a prática regular de atividade física. Um segundo passo, para obter melhores resultados, seria progredir na intensidade dos exercícios.
Por que é bom controlar: diabetes, câncer, doenças cardiovasculares e ortopédicas estão entre aquelas que podem ser desencadeadas ou agravadas pela obesidade.
Bom e versátil
Há também doenças em que o exercício pode não ter impacto tão direto a ponto de realmente ter o efeito semelhante ao de remédios, mas mesmo assim consegue ajudar no bom avanço do tratamento. Ainda que a tríade "alimentação, repouso e exercício" seja quase onipresente nos consultórios, especialmente para a prevenção, pesquisas apontam que uma vida ativa pode ser vantajosa no controle e até na cura de alguns males específicos.
A variedade é grande: são questões cardiovasculares, respiratórias, oncológicas, ortopédicas e até psiquiátricas. Passam por mente, metabolismo, ossos, órgãos. Contribuem para atenuar os prejuízos até de problemas de saúde em que ficar parado pode parecer a melhor opção, como osteoporose, Parkinson e dor crônica.
– Os benefícios são tantos que o recomendável é que o exercício realmente faça parte do estilo de vida de cada pessoa, e não que seja receitado apenas no tratamento de alguma questão médica em especial – avalia o coordenador do curso de Fisioterapia da Unisinos, Mauro Antônio Félix.
Os especialistas concordam que, afora o bem que faz para a saúde física, o exercício traz vantagens também para o bem-estar do cérebro. Para a presidente do Cref-RS, Carmen Masson, a prática ajuda a ter uma vida com mais alegrias – convenientemente aliando um cansaço físico momentâneo a um prolongado descanso da mente.
– O exercício físico é o maior antidepressivo que existe – ressalta a profissional.
Na tentativa de englobar os esparsos estudos sobre o tema e, ao mesmo tempo, provar a eficácia da atividade física como uma forma de tratamento, pesquisadores reuniram evidências mostrando que o exercício pode ser prescrito como terapia para pelo menos 26 doenças crônicas (confira algumas abaixo).
A análise, publicada no final do ano passado, é uma atualização para complementar outro artigo que apontava essa prática como fundamental para a prevenção de 35 problemas crônicos de saúde.