Desfez-se há tempo a ideia de que homens e mulheres que ultrapassavam os 60 anos já eram considerados vovôs e vovós – aposentavam-se, vestiam abrigos e aguardavam o tempo que lhes restava absortos em certa resignação. Hoje, a população, cada vez mais longeva e ativa, busca qualidade de vida para esse tempo extra na terceira idade – que, muitas vezes, estende-se por décadas. Um elemento essencial é a manutenção das práticas sexuais, tratando-se os problemas que vão surgindo. A satisfação nas relações íntimas é fundamental para a saúde física e mental dos idosos.
Mais precoce nos sinais de envelhecimento, o corpo feminino passa pela menopausa – interrupção da menstruação e da produção de estrogênio nos ovários – perto dos 50 anos. Mais tarde, provavelmente antes dos 60 anos, pode ser diagnosticada a síndrome genitourinária, cujo principal sintoma é a secura vaginal, além de infecções urinárias de repetição, ardência para urinar e perda de urina. Segundo a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maria Celeste Osório Wender, chefe do Serviço de Gineco-obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a falta de lubrificação é a consequência mais comum da menopausa – contornável com a reposição hormonal. Utilizam-se comprimidos, adesivos, cremes, cápsulas ou géis, dependendo do caso.
A diminuição da libido é outra queixa que se multiplica entre as mulheres mais velhas. Pode estar relacionada a uma discreta queda na produção do hormônio masculino, a testosterona, mas geralmente as causas mais comuns são a falta de parceiro ou um parceiro não estimulante, doenças limitantes dela ou dele, uso de medicações como alguns antidepressivos e baixa autoestima.
– É normal haver uma diminuição na frequência de relações sexuais. O homem tem a libido superior à da mulher ao longo da vida inteira. A redução é proporcional, vai acontecer nos dois, mas como ele tem mais, não fica tão baixa quanto a dela – explica Maria Celeste, participante da mesa-redonda Sexualidade no Idoso da 20ª Jornada de Inverno da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seccional Rio Grande do Sul (SBGG-RS), que ocorreu em julho, na Capital.
– A sexualidade da mulher está muito mais na cabeça, é muito mais complexa, não é como a do homem, que toma um remédio para ficar com ereção e está tudo resolvido. Tem que estar tudo bem com ela, tudo bem com a família, tudo bem com a situação financeira para estar tudo bem – completa a médica.
Há solteiras ou viúvas que, na velhice, optam por não se relacionar mais com ninguém e convivem bem com essa decisão. A falta de desejo sexual, salienta a ginecologista, só é considerada uma disfunção sexual quando a pessoa se sente incomodada e procura ajuda.
Entre os homens, dificuldade de ereção
Entre a parcela masculina da população acima de 60 anos, estima-se que 50% enfrentem algum tipo de problema relativo à atividade sexual. A mais comum entre os latino-americanos, aponta o urologista Claudio Telöken, é, disparado, a disfunção erétil (incapacidade de conseguir ou manter uma ereção).
– Ainda estamos tratando de pessoas com uma educação parca na sexualidade. Sexo, para essa faixa etária, ainda é coito (penetração vaginal). Eles não exploram outras possibilidades. Um dos fatores de risco para a disfunção é a falta de educação – explica Telöken, professor livre-docente da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFSCPA) e chefe do programa de residência médica em Urologia da UFSCPA e da Santa Casa.
Na sequência de problemas mais frequentes, vêm ejaculação precoce, ejaculação retardada, anorgasmia (ausência de orgasmo) e não percepção de comemorativos eróticos (o homem não observa pessoas que poderiam atraí-lo ou não assiste a vídeos de conteúdo sexual, por exemplo, em muitos casos como consequência de uma educação repressora). Essas alterações estão diretamente ligadas a seu estilo de vida no decorrer do tempo – sedentarismo e mudanças metabólicas têm um grande impacto. Maus hábitos, vícios, alimentação não balanceada, obesidade, insônia, ronco com apneia ou doenças não tratadas adequadamente, como o diabetes, podem afetar diretamente a saúde sexual. Como as mulheres, eles também precisam checar os níveis de hormônios e, se necessário, submeter-se a uma regulação.
Encarar um urologista ou andrologista para falar de problemas sexuais é um desafio – até mesmo intransponível – para alguns homens. Muitas vezes, o paciente não se abre, e o médico, por outro lado, não pergunta nada. Uma boa avaliação do médico da família deve incluir a apalpação da genitália e dos mamilos.
– Estamos subdiagnosticando e subtratando – constata o urologista.
Questões de origem sexual também levam à abdicação do convívio social e ao isolamento. Um homem que antes frequentava festas e jantares pode desistir de ir a esses eventos pelo receio de conhecer alguém e a relação evoluir para um estágio de maior intimidade. A repressão familiar – os filhos que rejeitam a ideia de o pai voltar a namorar depois da morte da mãe, temendo uma eventual necessidade de partilha de bens com a madrasta, por exemplo – também contribui para abalar o idoso. Estar em ambientes onde possa encontrar diferentes gerações, ressalta a sexóloga Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, é altamente benéfico:
– Se ele não se mantém ativo, acaba vivendo em torno de uma monotonia, de uma mesmice, não está se atualizando. Isso é muito importante para que ele se sinta fazendo parte da sociedade, e não uma figurinha já fora do álbum, embora, às vezes, prefira ficar em casa vendo um filminho a sair para a festa de aniversário do neto.
Assim como a depressão atrapalha a sexualidade, uma vida sexual insatisfatória ou inexistente também acarreta humor depressivo.
– O idoso começa a ficar caseiro, triste. A prevalência de suicídio na idade avançada tem muito a ver com essa parte sexual – alerta Telöken.
A utilização de medicamentos que estimulam a ereção deve ser discutida no consultório, para que interações com outras drogas que o paciente já toma não tragam mais prejuízos – como hipotensão e bradicardia (diminuição da frequência cardíaca) – do que benefícios. Injeções no pênis e próteses penianas ainda são utilizadas, de acordo com a situação.
– Ninguém vai ficar sem tratamento. Existe alternativa para rigidez peniana, melhora de libido e controle ejaculatório. O indivíduo não pode se conformar, ele está neste mundo para ser feliz. Do ponto de vista instintivo, um orgasmo adequado para um idoso de 80, 85 anos é a glória, devolvendo-lhe a alegria de viver – diz Telöken.
Relacionamentos longos, dedicação também
Décadas e décadas de casamento não podem desobrigar o casal de investir na relação. Um relacionamento respeitoso, baseado em trocas, carinho e atenção, é pré-requisito básico para manter a vontade de transar e obter satisfação na cama. Mágoas e ressentimentos que se acumulam e crescem durante os anos, segundo a sexóloga Carmita Abdo, fazem com que os parceiros percam o interesse no sexo.
– Se casais trabalham essas questões ao longo da vida, vão chegar a uma idade mais madura com o ganho da intimidade. Quem não envelheceu com uma qualidade boa no relacionamento se distancia – afirma Carmita.
A idade avançada não deve causar constrangimento para que os companheiros procurem um terapeuta, caso não consigam dissolver suas desavenças sozinhos.
– Os pontos de discórdia vão se tornando, às vezes, intransponíveis. “Ah, mas já estamos velhinhos, para que fazer terapia?”. Porque a vida vai até os cem – encoraja a sexóloga.
Além de problemas musculares e de articulações, que comprometem a mobilidade e a agilidade, outras mudanças do corpo tornam a relação sexual diferente na terceira idade. Por mais que existam recursos, há de se ter uma certa dose de conformismo para lidar com a queda no desempenho de maneira geral. Tudo que tem a ver com os sentidos – visão, audição, tato – interfere na sexualidade, pontua Carmita. A menopausa provoca não apenas a secura vaginal destacada pela ginecologista Maria Celeste, do HCPA, mas também a diminuição da sensibilidade da pele, e as parceiras respondem menos às carícias que outrora foram extremamente excitantes. O homem terá necessidade de estímulo tátil para conseguir uma ereção, as ejaculações não serão tão volumosas, e o jato ejaculatório ficará bem mais curto. A duração do intercurso pode diminuir – por desconforto, falta de fôlego ou de potência – ou até mesmo aumentar, já que a mulher talvez leve mais tempo para se excitar. A musculatura das partes íntimas também muda: a vagina fica menos túrgida e mais flácida.
– São mudanças físicas naturais. Às vezes, é difícil as pessoas entenderem que o aparelho genital também envelhece – aponta Carmita.
O que fazer para ter uma vida sexual mais saudável
- Envelhecer não significa abdicar do sexo. Doenças podem ser tratadas e ter seus efeitos amenizados, e a incorporação de novos hábitos à rotina também contribui para melhorar a prática sexual.
- Procure um médico especialista ou o profissional que o acompanha há mais tempo e tenha uma conversa franca sobre o que está acontecendo. Levar o parceiro ou a parceira ao consultório pode ser um recurso eficiente para os mais retraídos.
- Um casal não deve guardar ou alimentar mágoas, e nunca é tarde para resolvê-las. Sessões de terapia podem ser altamente benéficas.
- Solteiros e viúvos precisam procurar atividades que lhes interessem e estimulem o convívio social, evitando o isolamento. Além dos compromissos familiares, que tal participar de clubes de livros, bailes, grupos de carteado e rodas de chimarrão?
- Manter-se ativo fisicamente é fundamental. Converse com seu médico sobre os exercícios que você pode praticar.
- O uso de remédios para disfunção erétil deve ser precedido de orientação médica.