O Brasil é um prato cheio para as redes de fast foods. Na América Latina, segundo dados de uma pesquisa divulgada no ano passado pela EAE Business School, escola de negócios sediada na Espanha, a população brasileira é a que mais gasta neste tipo de alimentação. Em uma avaliação mundial desses valores, percebe-se que o país só perde para Estados Unidos e China: são cerca de R$ 53 bilhões "investidos" em hambúrgueres, sanduíches, refrigerantes, massas instantâneas e outras refeições rápidas.
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Mas o país começa a colocar um freio nesse apetite. Apoiadas em pesquisas que comprovam os riscos desse hábito à saúde, políticas públicas estão promovendo um cerco ao consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados, utilizados em larga escala no setor de alimentação rápida, mas também disponíveis nas prateleiras dos supermercados na forma de macarrões instantâneos, pratos congelados, guloseimas etc.
A mais recente investida do Ministério da Saúde é contra a oferta de refis de refrigerantes em bares, lancherias e restaurantes. A ideia é negociar com o setor ou, se não houver acordo, propor ao Congresso um projeto de lei que proíba essa forma de venda de bebidas. O refil, de acordo com dados do ministério, aumentaria em até 30% o consumo de refrigerantes. A medida vai ao encontro de um plano nacional de redução de açúcar em alimentos industrializados, como foco em produtos lácteos, bebidas adoçadas bolos e biscoitos, que o governo pretende colocar em prática no segundo semestre deste ano, aos moldes do que vem fazendo a respeito do sódio.
Na semana passada, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, assinou novo acordo com a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) para reduzir ainda mais os níveis do mineral nos produtos. A meta, até 2022, é tirar da alimentação brasileira cerca de 28,5 toneladas do mineral, ampliando à mesa a prevenção de doenças cardiovasculares, a principal causa de morte no país. Em 2011, o ministério já havia acordado com a Abia a redução desses índices e, de lá para cá, os brasileiros deixaram de consumir 17 mil toneladas de sódio.
A gordura trans também está na mira: em abril, a Comissão de Assuntos Sociais (Cas) do Senado aprovou um projeto de lei que proíbe o uso do ingrediente na fabricação de alimentos. A proposta deve seguir para análise da Câmara dos Deputados.
Essas ações têm animado médicos, nutricionistas e agentes de saúde que observam um aumento preocupante nos casos de obesidade e de doenças relacionadas ao hábito alimentar. O excesso de peso, de acordo com dados da Universidade de Washington, já é tratado como uma crise de saúde pública em escala global. Entre 1980 e 2015, a obesidade cresceu mais entre os adultos jovens, principalmente homens de 25 a 29 anos de países com níveis de renda e de educação mais baixos. No mesmo período, o percentual de crianças e adultos obesos dobrou em 73 países. No Brasil, na faixa de 15 a 19 anos, a obesidade entre homens aumentou de 8% para 25% e entre as mulheres, saltou de 11 para 20%. Boa parte desse problema se dá por conta de maus hábitos alimentares.
Coordenador do Programa Estadual de Cirurgia Bariátrica do Rio de Janeiro, o médico Cid Pitombo observa que alguns fatores têm empurrado pratos menos saudáveis à mesa dos brasileiros. Um deles é a própria rotina atribulada. A indústria percebeu a necessidade de criar produtos de preparo e consumo rápidos, e a população mordeu a isca pensando em resolver sua falta de tempo e as dificuldades de deslocamento, por exemplo, para ir em casa almoçar durante a semana. O outro ponto é o econômico. Os produtos industrializados são, via de regra, mais baratos do que versões mais naturais, isso sem falar na enorme distância de preços em relação aos orgânicos.
– Especialmente a população mais pobre não consegue bancar uma alimentação melhor. Você vai numa feira e encontra uma manga a R$ 8. Com esse dinheiro, dá pra comprar uns 10 pacotes de macarrão instantâneo. Então, as pessoas não compram a fruta. Também tem a questão de o alimento natural ser mais perecível, estraga mais rápido e vai fora. As pessoas não conseguem ir no supermercado para comprar produtos fresquinhos todos os dias. O que a gente percebe é uma epidemia de obesidade muito por conta do consumo de alimentos superprocessados. E a população que mais sofre é a mais pobre – diz Pitombo.
O médico, que operou famosos, como os atores André Marques e Leandro Hassum, reconhece a validade de medidas para reduzir dos produtos elementos reconhecidamente nocivos à saúde, como sódio e açúcar, mas entende que essas ações deveriam ser mais efetivas tamanho o prejuízo que a alimentação fast food impõe à sociedade. Pitombo relembra que a efetiva luta contra o consumo do cigarro, com a proibição de propaganda na TV e dos chamados fumódromos, por exemplo, só ocorreu depois que a conta de mortos pelo hábito tomou proporções estratosféricas e exigiu - como ainda exige – investimentos não menos astronômicos na área da saúde e por conta de comorbidades e doenças.
– Acho que os gestores públicos deveriam se engajar quanto ao controle do consumo desses alimentos, mas também a favor de melhorias na oferta de alimentos mais saudáveis – avalia.
Professora de nutrição da UFRGS, Aline Schneider não aposta que a proibição desses produtos seja viável, até porque, reforça, estudos dentro da área nutricional demonstram que proibir pode gerar formas de compensação, por vezes, equivocadas. No entanto, Aline entende que não adianta esperar medidas somente no âmbito dos governos. A população deve tomar para si os cuidados com a alimentação. As famílias devem estar atentas ao que oferecem às crianças desde cedo. Fast foods são totalmente contraindicados para crianças até dois anos e devem ser muito regulados a partir dessa idade, inclusivo para adultos. Ricos em gorduras trans e aditivos químicos que realçam o sabor, os produtos fast food se consumidos com frequência podem até causar certa dependência.
– A gordura aumenta a nossa palatabilidade, torna os alimentos mais saborosos. Se você come frequentemente esses produtos acaba acostumando as papilas gustativas a eles. É um costume que se fortalece nas nossas papilas – explica a nutricionista.
Informações digeridas de maneira adequada
Anos atrás, a população brasileira até poderia argumentar falta de informação sobre malefícios que o consumo frequente de determinados produtos poderiam causar ao se consumir industrializados e superprocessados. Hoje, é exatamente a facilidade de acesso a esses dados que pode prejudicar a conquista de uma alimentação saudável. Recentemente, um estudo publicado no American Journal of Nutrition concluiu que o consumo de batata frita aumenta o risco de morrer. As pessoas que comiam batata frita com frequência (pelo menos duas vezes por semana) tinham o dobro do risco de morrer. Apesar de as causas reais não terem sido analisadas a fundo, o assunto ganhou as redes sociais e muitos aficionados pelo prato demonstraram preocupação com o futuro.
Aline Schneider explica que muitas pesquisas acabam divulgadas com problemas de interpretação ou deslocadas de um contexto científico, o que abriria margem a assimilações equivocadas e a modismos alimentares irresponsáveis. A professora sugere que frente ao que é divulgado por aí sobre alimentação, o melhor a fazer e debater a informação com um profissional de confiança, antes de adotar qualquer "fórmula mágica". Sim, fast foods fazem mal à saúde, mas não é um eventual hambúrguer duplo com queijo que vai abreviar a existência na terra. A alimentação que priorize artigos mais naturais é a maior recomendação para se ter uma dieta saudável e prevenir boa parte das doenças que hoje figuram no topo da lista das causas de morte, como hipertensão e câncer. Até nas lanchonetes essa ideia vem ganhando espaço. Grandes redes de fast food incorporaram em seus cardápios saladas, sucos e opções vegetarianas ou veganas.
– O setor vem fazendo adaptações, com pratos fit ou light, porque percebeu essa demanda por uma alimentação mais saudável. Mas vai seguir vendendo o que vendia, porque tem quem compre ainda e não é algo proibido. Nunca foi segredo que esse tipo de alimentação não era o que havia de mais saudável, mas ele está abrindo espaço para versões mais naturais – pondera Fabiana Estrela, presidente da regional sul da Associação Brasileira de Franchising (ABF).
Se não há como fugir totalmente dos industrializados e fast foods, a nutricionista Aline Schneider aconselha bom senso. No dia a dia, opte pelos produtos mais naturais ou em versões menos gordurosas e com menores níveis de sódio e açúcar, além de observar mais as porções ingeridas, dedicando, ao menos, 20 minutos à refeição. Uma escapadinha da dieta saudável a cada 15 dias também ficaria dentro de um limite aceitável.
– Trabalhar com a consciência alimentar passa por esses ajustes. É se dar conta do que está comendo – reforça.
O médico psiquiatra e terapeuta de família Rogério Lessa Horta entende que abandonar uma alimentação nociva passa por questões que envolvem reorganização de hábitos – neste caso, hábitos que estão muito ligados ao prazer. Ninguém há de negar que os fast foods oferecem um cardápio tentador de sabores e imagens, com ingredientes que, inclusive, provocam estímulos específicos no nosso organismo, como o açúcar. Mas essa tarefa não é fácil, mesmo depois que se assimila informações sobre os malefícios do consumo de certos alimentos. O contexto em que o indivíduo está inserido, ressalta o psiquiatra, também influencia na conquista ou não de uma vida mais saudável. Se ele vive rodeado de pessoas que comem mal, tende a ter mais dificuldade de seguir outra dieta.
– O acesso à informação pode conscientizar de que algo é uma necessidade, mas é preciso tomar a decisão de mudar. Informação não garante decisão, e a ligação entre as duas depende de motivação – avalia.
Horta enumera outra questão que, talvez, explique o fato de as pessoas seguirem, conscientemente, consumindo alimentos que colocam a saúde em risco: a credibilidade de alguns estudos. Anos atrás, o ovo foi considerado um grande vilão por algumas pesquisas. Tempos depois, foi absolvido.
– Essa instabilidade gera dúvida, e mesmo em situações comprovadas, como no caso do tabagismo, as pessoas não enxergam (o problema) num cenário imediato, então, isso não garante que ela mude – diz.
Abelardo Ciulla, também psiquiatra, entende que, às vezes, as escolhas pelo o que sabidamente nos faz mal podem indicar momentos de insatisfação pessoal, pouco amor próprio e falta de maturidade emocional.
– Esses aspectos não permitem conviver com as pequenas frustrações, como deixar de comer um hambúrguer. Quando se está mais organizado emocionalmente, é mais fácil pensar no benefício a longo prazo do que no prazer imediato.
Fome de fast food
– O brasileiro ingere 12g de sódio por dia, mais do que o dobro do limite sugerido pela OMS, que é de 5g
– O gasto anual do Brasil com fast food em 2014 foi de R$ 265 por habitante e, segundo dados da EAE, a expectativa é de que ocorra um crescimento de 30% até 2019. Na China, um dos maiores mercados do mundo, esse crescimento deve ficar em torno de 24%
– Doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, obesidade, problemas cardiovasculares e respiratórios e câncer respondem a 72% das mortes no Brasil. A prevalência dessas enfermidades está associada ao consumo alimentar
– O tratamento da obesidade, doença ligada a maus hábitos alimentares, consome R$ 500 milhões anuais do Sistema Único de Saúde (SUS)
– 30% da população mundial está obesa ou tem sobrepeso, segundo estudo publicado neste ano na revista científica The New England Journal of Medicine
– 108 milhões de crianças e mais de 600 milhões de adultos obesos que têm índice de massa corporal acima de 30, de acordo com a pesquisa
– O Ministério da Saúde pretende reduzir o consumo regular de refrigerante e suco artificial em pelo menos 30% na população adulta até 2019 e ampliar em no mínimo de 17,8% o percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças.