O dia escurece às 16h na casa de Joseneia Rodrigues, 34 anos, em Frederico Westphalen. A manicure, que aplica repelente em todo o corpo a cada duas horas, fecha as janelas para prevenir a entrada do mosquito Aedes aegypti. Depois de perder cinco bebês ainda no útero, Joseneia tenta conciliar sentimentos conflitantes: celebra sua gravidez mais duradoura, agora em 12 semanas, e teme contrair as doenças transmitidas pelo mosquito, especialmente a zika, associada ao risco de microcefalia, malformação congênita que compromete o desenvolvimento cerebral do bebê.
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A cidade do norte do Rio Grande do Sul registrou um dos dois primeiros casos autóctones da enfermidade, ou seja, contraídos no Estado, e não importados de outros lugares, como os anteriores. Trata-se de uma dona de casa de 18 anos, atualmente na 15ª semana da primeira gestação, que procurou atendimento médico no início de março (então na 13ª semana), quando sentiu febre e constatou manchas vermelhas na pele – o outro caso autóctone é o de uma jovem da mesma idade, mas de Santa Maria. Os dados foram divulgados na sexta-feira pela Secretaria Estadual da Saúde.
Nos últimos dias, a notícia começou a se espalhar entre os 30 mil habitantes de Frederico. A identidade da paciente não foi divulgada.
– Ouvi falar que ela mora aqui para baixo – conta Joseneia, mãe de duas crianças adotadas, apontando para uma região em declive no bairro Santo Inácio. – Meu Deus do céu, é bem perto.
A gestante que contraiu zika vive a cerca de 150 metros da residência de Joseneia. Bastante nervoso, o marido da paciente não aceitou conversar com a reportagem de Zero Hora, na tarde de domingo, nem permitiu contato com a mulher. Uma psicóloga deve ser destacada pela administração municipal para acompanhar o casal a partir de agora. Ainda não se sabe se a criança tem microcefalia, mas comentários de vizinhos e conhecidos teriam deixado a mãe “apavorada”, segundo Marly Vendruscolo, secretária municipal de Saúde.
Com 86 casos confirmados e cerca de 160 suspeitos, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde, Frederico Westphalen é um dos municípios da região com mais registros de dengue, também propagada pelo Aedes aegypti – o boletim da Secretaria Estadual da Saúde contabiliza 13 casos confirmados de dengue (11 autóctones e dois importados). Na percepção das autoridades, há forte resistência da população para se conscientizar da importância da eliminação dos criadouros do mosquito. Na semana passada, a Câmara de Vereadores aprovou um projeto de lei que prevê multa para proprietários de terrenos que negligenciarem limpeza e drenagem.
– O pessoal ainda não está acreditando que temos dengue aqui, não está dando bola, não está levando com seriedade – lamenta Marly.
Comerciante do bairro Fátima, que concentra a maior parte das ocorrências, Sadi Longo, 60 anos, desdenha do noticiário e dos comentários da vizinhança, que vem consumindo todo o estoque de repelentes de seu minimercado.
– Aqui não tem nada, é só conversa do povo. Dá uma gripezinha e acham que é dengue. Tem gente que enche a cara, no outro dia vai no médico e dizem que é dengue. Os doutores estão tudo meio loucos – critica.
Longo está seguro de que a situação foi forjada para contrabalançar o peso da crise política e econômica que estremece o país.
– Isso é coisa da Dilma e do Lula para desviar o assunto. Quando terminar essa bagunça lá em cima, termina o mosquito – sentencia.
Pelo engajamento da comunidade
Casados desde outubro, o economiário Pedro Machado, 31 anos, e a psicóloga Aline Galhardo, 26, mostram-se cautelosos. O desejo era engravidar logo, mas a disseminação do zika os forçou a um adiamento. Aline revela ter ficado assustada no fim de semana ao encontrar um agente aplicando inseticida pelos bueiros. Tomando chimarrão na Praça da Matriz no domingo, ela se culpava por lapsos nos cuidados:
– Hoje mesmo eu saí sem repelente.
Vice-prefeito da cidade, Luiz Franciscatto Sobrinho (PP), também cardiologista, tem realizado um esforço ecumênico na tentativa de acelerar o processo de engajamento nas ações preventivas. Contatou pastores, pediu ajuda a colegas de religiões diversas e compareceu a missas. Antes que o padre encerrasse as celebrações, pediu a palavra, apelando aos fiéis:
– A única maneira de ser resolutivo é todo mundo fazer a sua parte.
Apesar da chegada do vírus, Franciscatto acredita que o pior período do alheamento já tenha sido superado. O médico compara o descaso inicial dos moradores com o desempenho da Seleção na partida dos 7x1 contra a Alemanha, pela Copa do Mundo, em que os anfitriões levaram um vareio antes de esboçar uma reação.
– Agora já estamos jogando, equilibrando o jogo – acredita.