As razões pelas quais as pessoas decidem viver a qualquer custo ou simplesmente desistem nem sempre são muito perceptíveis. Em parte, porque somos diferentes e não existem duas criaturas reagindo da mesma maneira a adversidades idênticas, mas também porque a bagagem afetiva que carregamos nos torna mais ou menos complacentes aos infortúnios.
A sensação euforizante de invulnerabilidade que envolve os bem-amados tem como contraponto o desânimo deprimente dos sofredores solitários, para quem qualquer sofrimento é uma agressão desproporcional ao esforço de continuar vivendo sem compensações afetivas.
Além disso, a persistência da dor sem remissão reduz o desejo do indivíduo de continuar vivendo, e a morte, temida porque representa o fim da alegria da vida, também pode ser vista como o fim da dor, da angústia e do sofrimento. A reação a essa situação dramática dependerá de que lado da estrada o paciente está.
Aprendi em anos de convívio com pacientes oncológicos que a preservação do ânimo, este estado de espírito tão importante para o enfrentamento de terapias tantas vezes cruéis, depende muito da manutenção da autoestima intacta.
E coisas consideradas menos importantes por serem transitórias, como, por exemplo, a queda dos cabelos, pode ser percebida pelo paciente como uma catástrofe irreparável. É muito difícil dimensionar o significado de uma perda qualquer no imaginário de quem se sente como se tivesse perdido tudo. Por isso, cuidado ao analisar o que é ou não importante para um paciente deprimido. Dependendo da fragilidade emocional dele, qualquer desconsideração, por ridícula que pareça, poderá significar uma ruptura definitiva e irresgatável da relação médico/paciente.
A Maria Angélica ainda era muito bonita aos 61 anos, e o amor incondicional do marido e dos filhos sempre foi a blindagem que a mantinha protegida nos dias de náusea depois dos ciclos de quimioterapia. Mas nem este invejável escudo amoroso conseguia conter a irritação quando, por alguma razão, ela flagrava um centímetro grisalho na raiz dos cabelos loiros ou aqueles dois milímetros sem esmalte na raiz das unhas.
Por inexperiência, cheguei a considerar aquela preocupação como fútil, principalmente porque estava muito desapontado com a resposta de sua doença ao tratamento proposto. Demorei um tempo para perceber que nós encolhemos na doença e que esta subtração de autoestima, multiplicada pela depressão decorrente da perda da autonomia, constitui um abalo sísmico no interior de qualquer pessoa.
Um dos últimos e-mails da Maria Angélica continha um foto dela, com uns 35 anos, completamente bronzeada, com um shortinho branco, cabelo ao vento num iate azul celeste como o céu que se via ao fundo. E um apelo: "Por favor, lembre de mim, assim".
Aquela mensagem era definitiva na sua essência: os pacientes querem ser lembrados pelo que foram, não pelo que restou deles. Eles preferem a lembrança fixada nos melhores momentos. Retrospectiva o tempo inteiro, evitando-se as atualizações, sempre que forem deprimentes. E, se pudessem escolher, morreriam abraçados com o álbum de fotos antigas.
Esta fantasia sintetiza a luta contínua pela preservação da dignidade. Um sentimento que, de tanto se parecer com a vida, acaba sendo confundido com ela mesma. E não importa o que os outros pensem disso.