Quando a mente não consegue mais suportar, o corpo reage. E isso não é apenas sabedoria popular. Antes um conceito estigmatizado pela comunidade médica, o bem-estar emocional é cada vez mais compreendido como um fator crucial para a prevenção e o tratamento de doenças.
Nas últimas décadas, avanços em pesquisas nas áreas da neuroanatomia e da bioquímica permitiram que os médicos compreendessem melhor como o nosso cérebro está ligado ao sistema imunológico e como o estresse e o acúmulo de sentimentos negativos podem tornar a saúde mais vulnerável.
Essas descobertas reforçam a ideia de que, para tratar doenças que apresentam sintomas físicos, não se pode ignorar as emoções.
Uma das principais pesquisadoras da área, a americana Esther Sternberg dedica-se desde os anos 1980 a comprovar como o sistema nervoso e os hormônios nos tornam mais suscetíveis a doenças inflamatórias. A mesma parte do cérebro que controla a reação ao estresse tem um importante papel para tornar o organismo mais propenso a desenvolver enfermidades como a artrite.
As maneiras como a psique afeta o corpo ocorrem de forma direta e indireta, como explica Moisés Evandro Bauer, do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUCRS. A direta é comportamental: os modos encontrados para lidar com o estresse e a depressão nem sempre são saudáveis. Aumento do tabagismo, isolamento e falta de controle com a alimentação são alguns exemplos que colaboram com o enfraquecimento do organismo para lutar contra vilões como viroses e até mesmo o câncer.
As linhas indiretas envolvem alterações principalmente no hormônio ligado à regulação imunológica, o cortisol, liberado em situações de estresse. Em quantidade moderada, ele ajuda a combater inflamações e a manter a pressão arterial.
Em pacientes com estresse crônico, os níveis de cortisol se elevam, causando alterações no sistema imune. Em alguns casos, ocorre a imunossupressão, ou seja, o enfraquecimento da resposta imune do organismo. Em outros, a atividade do sistema imunológico é exacerbada, o que pode desencadear as chamadas doenças inflamatórias, como as cardiovasculares, metabólicas e autoimunes.
No Instituto do Câncer Hospital Mãe de Deus, o psicólogo Marcelo Pereira Lemos trabalha com pacientes que lutam contra a doença. Junto às sessões de quimioterapia e radioterapia, o atendimento psicológico faz parte da rotina. A partir do momento do diagnóstico, o bem-estar emocional passa a ser um dos pilares para a recuperação.
–Trabalhamos com os pontos positivos de cada paciente. Potencializamos aquilo que é bom, seja uma crença ou um sentimento, para encontrar medidas de enfrentamento da doença. Tudo o que for melhor para ele e que tenha validação médica para que o corpo responda de maneira mais eficaz ao tratamento, será feito. O corpo e a mente funcionam juntos – diz Marcelo.
Quebra de tabu na medicina ocidental
Com essa premissa, de que o corpo e a mente estão interligados, médicos e pesquisadores comprovam que uma abordagem interdisciplinar para a prevenção e cura das doenças, como o câncer, pode ser mais eficaz. Esse conceito deu origem à medicina integrativa, considerada uma quebra de tabu na medicina ocidental.
A prática combina os métodos e tratamentos intensivos às terapias e técnicas complementares. A espiritualidade e o bem-estar psíquico do paciente passam a ser contemplados nos cuidados durante o tratamento de doenças.
– Ninguém está dizendo que se deve deixar de tomar os antibióticos ou qualquer outro medicamento, mas se os remédios para tratar a doença forem tomados sob constante estresse, serão menos eficazes. Aderindo a técnicas como meditação ou tai chi chuan, que aliviam e aquietam a mente, e a práticas saudáveis como caminhar 30 minutos por dia, é possível reverter os sinais do estresse crônico, que prejudicam a cura – afirma Esther Sternberg, professora e diretora de pesquisa no centro de medicina integrativa da Universidade do Arizona.
Para Esther, práticas como a meditação ajudam a modular a conexão entre o cérebro e o sistema imunológico. Essa ligação foi uma das suas descobertas mais impactantes para o campo da medicina. A reação excessiva do cérebro ao estresse, segundo a especialista, atrapalha a habilidade do corpo de cicatrizar e curar.
– Estresse não causa diretamente as doenças. O vírus da gripe causa a gripe e diversos fatores causam o câncer, por exemplo. Mas essas descobertas científicas foram importantes para entender como controlar o estresse pode ajudar na redução à suscetibilidade para certas doenças – diz a pesquisadora.
Resposta biológica ao estresse
Segundo o pesquisador Moisés Evandro Bauer, do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUCRS, pacientes com transtornos psíquicos, como depressão ou estresse crônico, desenvolvem mais doenças físicas e de cunho inflamatório como diabetes, AVC e infarto agudo do miocárdio.
Pesquisas recentes mostram que pessoas com transtorno bipolar – uma doença crônica que pode surgir ainda na adolescência – também tiveram respostas de inflamação no organismo de forma exacerbada. Entre a euforia e a depressão, a rotina de quem lida com a doença está sob estresse constante.
Os exames dos pacientes investigados mostraram que há uma elevação de proteínas inflamatórias – as citocinas – no sangue. Quando essas proteínas são encontradas em altos níveis, o corpo sinaliza que há um processo inflamatório no organismo. A elevação das citocinas é também encontrada em pacientes diagnosticados com câncer, doenças reumáticas e cardiovasculares.
Indo mais longe, pesquisadores começam a investigar também a resposta biológica do organismo a eventos causados ainda na infância. As cicatrizes psicológicas de traumas, maus-tratos e negligência emocional não ficam apenas na memória.
– Essas pessoas, quando mais velhas, mesmo com um estado de saúde normal aparente, manifestam alterações inflamatórias no sangue bem mais exacerbadas em relação ao grupo controle, que não teve história de traumas na infância – revela Bauer.
Para o pesquisador, essas comprovações devem mudar a forma como o médico avalia o paciente e também o tratamento contínuo de doenças.
– A divisão antiga que tínhamos entre um quadro de doenças psicológicas e um quadro de doenças mais clínicas, para mim, não existe mais. Doenças psíquicas desenvolvem alterações biológicas, mas também as doenças que, antigamente, não tinham ligação psiquiátrica, como as cardiovasculares, tidas apenas como físicas ou orgânicas, têm comprovadamente uma ligação com fatores psicológicos – finaliza.
O conceito de medicina integrativa busca, portanto, usar técnicas que tragam bem-estar e saúde mental para ajudar a curar doenças. De acordo com Esther, se o estresse não for combatido, trabalha-se contra o corpo e o sistema imunológico.
– O grande problema com o conceito de medicina do corpo e da mente é que há uma pressão para que os pacientes encontrem soluções sozinhos. E, se eles falham, passam a sentir-se mal, porque não conseguem tratar a si mesmos. É preciso procurar ajuda e encontrar os hábitos e as técnicas que funcionam para cada um e que são relevantes para a condição de saúde atual.
Não é só "coisa da sua cabeça"
"Isso não é nada, é tudo psicológico." Essa frase, para a psicóloga e professora da Unisinos Andressa Bellé, é um reflexo de que a psique, como fator desencadeante de doenças, ainda é subestimado pela população em geral. A especialista em terapia cognitivo-comportamental explica que os pensamentos se relacionam com as emoções, podendo desencadear o estresse.
Andressa menciona certas distorções cognitivas comuns, como a chamada catastrofização, uma forma de interpretar e enxergar situações do cotidiano como mais graves do que a realidade. Para Andressa, pessoas que sofrem com isso têm a tendência de viverem sob estado prolongado de ansiedade.
– O que a gente pensa interfere no que a gente sente. Investir na saúde mental é uma forma de prevenção de doenças – afirma.
As doenças psicossomáticas são aquelas que a origem pode ser traçada até a mente. Disfunções gastrointestinais, alergias, alterações na pressão arterial: todas aparecem quando o organismo não têm mais a capacidade de suportar os efeitos gerados pelo estresse contínuo.
– Muitas vezes, o paciente começa a tomar o medicamento, mas não vê efetivamente uma melhora. São nesses casos que considera-se o fator emocional e psicológico – diz.