No meu tempo (nasci em 1980, já tenho direito à expressão?), notificação era o interfone que tocava e o cachorro que latia em reação, avisando todo mundo na casa que a visita tinha chegado. Pensando bem, nem faz tanto tempo assim, quando a geração 90 já rompia o mundo - aquela que ainda me assusta quando diz que não viu o Ayrton Senna nas pistas e responde "quem?" quando falamos em Lídia Brondi -, ter uma linha telefônica em casa demandava pelo menos uns cinco anos de espera. Não tê-la obrigava "notificar" o interfone do abençoado vizinho dono de ações da CRT para pedir licença e receber aquela ligação do irmão de São Paulo duas vezes por ano - interurbano era caro, minha gente.
Passaram uns tantos anos nessa régua, ter linha telefônica virou barbada - livrar-se dela é outros 500 -, ninguém toca o interfone em uma visita surpresa que não seja para uma telentrega e até o Barrichello já quase não é lembrado. E o mundo, então, virou um grande alarme sonoro, lembrando sempre de algo que nos faz esquecer do algo anterior. Viciamos na enxurrada de notificações concentradas em um smartphone, sejamos nascidos em 1980 ou em 2000 e poucos.
Há pouco tempo, tive meu celular roubado em um assalto e, por enquanto, tenho usado um de sistema operacional diferente, sem possibilidade de instalar o aplicativo de corrida ao qual eu estava acostumada. O substituto que encontrei não me notifica quando eu completo um percurso, passo do ritmo, chego à metade ou paro para tomar água. No meio de uma certa irritação, como se aquilo fosse realmente um impeditivo para eu correr, fiquei pensando em que momento eu não sabia mais dar um passo sem precisar daquela espécie de função soneca da vida - bip: "Lembre-se disso"; bip: "Lembre-se daquilo"; bip: "Agora, é hora de fazer isso"; bip: "Oi, Fulano, olha eu aqui".
Num desses dias, fiz, então, uma corrida versão old school: sem GPS, contei as voltas completas na Redenção (uma tem 2,5 quilômetros, a título de curiosidade), imaginei o ritmo pela percepção da passada e parei quando eu achei que estava suficientemente cansada. Ao fim, minha mãe ligou (ela ainda se dá ao luxo de não saber usar WhatsApp) e perguntou se eu queria fazer uma visita para o almoço. Soou, então, o ronco no estômago: era hora de matar a fome.
Minha vida
Maria Rita Horn: bip: "hora de desligar as notificações"
Colunista escreve mensalmente no Vida
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