Enquanto os pequenos se agitam além da conta na sala de aula, ficam ansiosos, perdem coisas e não param quietos, os pais se questionam se tudo isso é resultado da falta de limites em casa ou se seria o suprassumo dos maus modos. Muitas vezes, nem um nem outro.
Atitudes como essas podem ser consequência do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) - um distúrbio que afeta aproximadamente 5% das crianças brasileiras, conforme estimativa da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA).
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Causado por alterações no funcionamento de algumas áreas do cérebro - o que ficou evidenciado em uma série de estudos realizados com aparelhos de neuroimagens -, o TDAH ainda não é completamente elucidado pela ciência. O que se sabe é que, em pacientes com o transtorno, a dopamina - neurotransmissor que ajuda a fixar a atenção - está com sua atividade desregulada.
Especialistas explicam como o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade se manifesta na infância:
A consequência disso são crianças não só mais agitadas, mas também mais impulsivas e que se distraem facilmente. Mas, por serem características bastante comuns nessa etapa da vida, somente são enquadradas no diagnóstico se estiverem vinculadas a prejuízos escolares e sociais, ressalva o professor de psiquiatria da UFRGS e chefe do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Marcelo Schmitz.
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- Há vários estudos mostrando maiores taxas de expulsão, reprovação e abandono escolar em jovens com o transtorno. A maioria dos estudantes com TDAH tem problemas de aprendizado em áreas como expressão oral, compreensão, interpretação de textos ou matemática. Pesquisas também indicaram que adolescentes com o problema apresentam mais comportamentos sexuais de risco, com maior exposição a doenças e gravidez indesejada - afirma o especialista.
A polêmica da medicação
Hoje considerado um dos transtornos psiquiátricos mais comuns da infância, o TDAH e sua principal arma de tratamento - o metilfenidato, também conhecido como Ritalina - são alvo de controvérsia.
Para muitos especialistas, os sintomas extremos manifestados pelas crianças não seriam, em grande parte dos casos, suficientes para caracterizar o distúrbio, mas, sim, um padrão de comportamento passível de ser alterado sem o uso de medicamentos.
É o que defende a psicóloga e psicanalista Marina Bangel, que realizou uma pesquisa de mestrado sobre o tema. Segundo Marina, os contextos familiar e social em que a criança vive pode ser os desencadeadores dos sintomas, algo passível de ser tratado por meio da escuta psicanalítica:
- Acredito que exista um excesso de medicalização na infância, o que já foi apontado por diversos psicanalistas. Em muitos casos, uma intervenção clínica com uma escuta sensível ajuda na reorganização psíquica.
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Ao longo dos últimos anos, campanhas se opondo ao uso da Ritalina têm deixado famílias apreensivas quanto à correta forma de proceder quando os pequenos são diagnosticados com o distúrbio. Também preocupam dados como o da pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que mostraram um aumento de 775% no consumo
da droga de 2003 a 2012. Os pesquisadores acreditam que, além dos diagnósticos em crianças e adolescentes, pessoas saudáveis que buscam aumentar o rendimento em atividades intelectuais usam o remédio.
O psiquiatra Luis Augusto Rohde, coordenador do Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (ProDAH), concorda que, em muitos casos, o diagnóstico e a prescrição são feitos indevidamente, em consultas rápidas. Por isso, recomenda o especialista, quando os pais ou professores desconfiam que o filho possa ter o distúrbio, é preciso buscar a ajuda de um profissional de confiança, com experiência no comportamento de crianças e adolescentes:
- O transtorno é um conceito gradual, que varia conforme a intensidade e se torna um problema quando os sintomas causam prejuízo na vida do jovem. A indicação de medicação deve ser precisa, com a balança risco-benefício pendendo para o benefício.
Para a psiquiatra Marcia Morikawa, do Hospital Israelita Albert Einstein, o aumento de prescrições e a popularização da Ritalina se deram pelo crescimento no número de diagnósticos realizados, uma vez que há menor preconceito na procura de profissionais habilitados à detecção do transtorno.
A Ritalina
Lançada em 1956, é o principal medicamento usado contra o TDAH. Seus mecanismos de ação ainda não são totalmente claros, mas se sabe que a droga estabiliza as concentrações de dopamina e noradrenalina no cérebro. Em quantidade inadequada, observou-se o efeito contrário ao desejado, com a perda da capacidade criativa e comprometimento do aprendizado.
Entre os efeitos colaterais associados ao metilfenidato (substância química da Ritalina), estão, a curto prazo, perda de apetite, irritabilidade e cefaleia. A longo prazo, efeitos observados são a diminuição na taxa de crescimento e problemas cardiovasculares.
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