O bebê real britânico nasceu na semana passada e, como era de se esperar, causou frisson no mundo inteiro. Mas muito mais que a escolha do pomposo nome composto de Charlotte Elizabeth Diana, o fato que mais gerou repercussão foi a rapidez com que a princesa Kate Middleton saiu da maternidade: apenas 10 horas após ter dado à luz, ela já posava para os fotógrafos ao lado do marido, com o bebê no colo, maquiada e de salto alto.
Conveniência, medo e desinformação transformam os índices de cesárea em epidemia nacional
Mitos e verdades sobre o parto
Um jornal russo chegou a especular que a pequena Charlotte havia nascido dias antes. Até uma possível barriga de aluguel foi cogitada. Afinal, como pode uma mãe estar tão linda e disposta poucas horas depois de parir uma criança? Apesar do espanto de muitas pessoas, a rápida recuperação materna é comum em casos de partos normais como o de Kate.
De acordo com o médico de família e comunidade Rodrigo Lima, se não tiver ocorrido nenhum problema, a mulher já está recuperada poucas horas depois do parto normal:
- Na Inglaterra, eles dão alta até mesmo em seis horas. Mas, culturalmente, as pessoas não entendem isso no Brasil.
A rapidez na alta hospitalar no pós-parto na Inglaterra é parte de um modelo que incentiva o parto normal e conta com uma equipe multidisciplinar, composta por parteiras, enfermeiras obstétricas e, claro, médicos. Os cuidados dessa equipe se estendem para fora da maternidade.
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- Não é só porque ela é uma princesa, mas lá a mulher é acompanhada por parteiras e enfermeiras antes do parto e depois que vai para casa, garantindo a segurança. É muito mais fácil a mulher ter alta sabendo que depois vai haver esse acompanhamento - explica Lima.
No Brasil, alta só depois de 48 horas
Aqui no Brasil, o padrão de espera para alta hospitalar depois do parto é de 48 horas, mesmo em casos de parto normal. O motivo de toda essa espera, segundo o supervisor médico da maternidade da Santa Casa Marcos Wengrover Rosa, são os cuidados com o bebê.
- Não temos esse suporte domiciliar, com uma equipe para cuidar da mãe e da criança depois. Por isso, mesmo que a mulher esteja bem poucas horas depois do parto, precisamos que ela e o bebê fiquem no hospital - afirma.
Na opinião de Lima, o principal entrave para o parto normal e a alta hospitalar mais rápida no Brasil é cultural.
- A gente "medicalizou" o parto a um nível que deixou os pais com medo. O nosso sistema médico fez com que a gente acreditasse que é necessário o bebê ficar seis horas em recuperação, longe da mãe, para ver se ele está respirando bem. É uma coisa sem fundamento científico algum - diz.
Brasil busca reduzir cesáreas
A alta hospitalar tão rápida de Kate Middleton só foi possível porque seu parto foi normal, procedimento pouco realizado no Brasil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país é o líder mundial em cesáreas e o aumento da prática se transformou em uma epidemia.
- O percentual de cesáreas no Brasil chega a 84% na saúde suplementar. Na rede pública, o número é de cerca de 40% dos partos.
- A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos à saúde da mulher e do bebê. Segundo o Ministério da Saúde, o procedimento aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados à prematuridade.
- Quando justificada, entretanto, a cesárea pode salvar vidas. O procedimento é fundamental em casos de risco para a mãe ou o bebê.
- O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)publicaram em janeiro deste ano uma resolução que estabelece normas para estímulo do parto normal. As novas regras buscam ampliar o acesso à informação pelas consumidoras de planos de saúde, que poderão solicitar às operadoras os percentuais de cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde, por médico e por operadora.
- Em março, o governo federal deu início ao programa piloto Parto Adequado, que busca incentivar o procedimento normal a partir de modelos inovadores de atenção ao parto. Foram selecionados 23 hospitais privados e cinco maternidades do Sistema Único de Saúde (SUS) que apresentam taxas de cesarianas superiores à média nacional. No Estado, o Hospital Moinhos de Vento é o único participante. A estratégia envolve adequação de recursos humanos para a incorporação de equipe multiprofissional, capacitação profissional para ampliar a segurança na realização do parto, engajamento do corpo clínico, da equipe e das gestantes, e revisão das práticas relacionadas ao atendimento das gestantes e bebês, desde o pré-natal até o pós-parto.