Mark Twain escreveu que os dois dias mais importantes da vida de alguém são o dia em que ele nasce e o dia em que ele descobre pra quê.
Pois o Artur nasceu há 14 anos e tem estado, desde então, à espera do dia da tal descoberta.
Portador de fibrose cística, que lhe destruiu completamente o pulmão direito e comprometeu seriamente o esquerdo, tinha apenas 23% da capacidade pulmonar prevista para a sua idade. Invejava os coleguinhas que jogam futebol e, resignado com o peso do fardo, já se contentaria em caminhar sem ofegância.
Quando a situação ficou insustentável, entrou em lista de espera para o transplante dos pulmões. A dificuldade de se conseguir doadores de tamanho compatível com sua mirrada caixa torácica tornou evidente que não viveria o tempo suficiente para contar com a doação improvável.
Cogitada a possibilidade de transplante com doadores vivos, a alternativa foi saudada com alegria pela família, porque agora dependia só dela a reparação do sofrimento injusto.
A avaliação dos doadores naturais, pai e mãe, só trouxe desassossego: ele incompatível do ponto de vista sanguíneo, e ela uma asmática inviável. Começaram, então, a busca ansiosa por alternativas. A primeira oferta satisfazia plenamente: uma irmã mais velha tinha todas as condições e o desejo evidente de salvar o caçula, um garoto lindo de sorriso tímido que se tornara, por doçura, o polo aglutinador do amor familiar.
A informação de que havia um primo determinado a doar completava o quadro de alívio da equipe médica, já engajada no esforço euforizante de salvar o Arturzinho. Foi quando se realizou a reunião para se programar o procedimento que se soube que o tal primo era, na realidade, filho de uma irmã da avó, e o parentesco de quinto grau o colocava além do limite legalmente aceito para o transplante intervivos, que se restringe ao terceiro grau.
Nesta condição, é indispensável a autorização judicial, uma blindagem legal que previne qualquer possibilidade de uma doação com pretextos ilícitos.
Encaminhados os documentos, causou surpresa a rapidez com que foi obtido o acorde do juiz responsável. Soube-se então que, na entrevista com o magistrado, ocorrera o seguinte diálogo:
"Qual é a sua motivação para doar uma parte do seu pulmão a um primo distante?". "Acontece, senhor juiz, que eu não sou apenas um primo qualquer, de quinto grau. Eu sou o melhor amigo do pai do Artur, e eu não suportaria a ideia que ele perdesse o seu terceiro filho para essa doença maldita só porque eu me neguei a doar!".
Houvera uma comoção do juiz, que prontamente autorizou o transplante.
Questionado sobre essa decisão altruísta, o Moisés me confessou: "Eu acho, doutor, que às vezes a gente tem de fazer algumas escolhas, e descobri que as decisões boas impõem mais coragem porque exigem desprendimento, e podem ser mais difíceis do que as más. As atitudes egoístas são mais cômodas e espontâneas e, por isso, mais simples. De qualquer modo, estou feliz com a minha decisão e pronto para doar!".
Saí do quarto daquele jovem corajoso e determinado com a convicção de que o mundo terá solução enquanto existirem pessoas grandes assim.
Mas foi inevitável o desconforto de reconhecer que o tal mundo solucionado pode demorar, por quão raro é esse tipo de gente.