Não é de hoje que o caso do físico e cosmólogo Stephen Hawking impressiona de leigos a experts em neurologia. Mesmo sem conseguir mover o corpo, o britânico ajudou a entender a origem do universo, o papel dos buracos negros e escreveu o livro Uma Breve História do Tempo, enquanto multiplicava sua estimativa de vida muitas vezes. Diagnosticado aos 21 anos com esclerose lateral amiotrófica (ELA), tinha a expectativa de viver no máximo três anos e, em janeiro deste ano, comemorou seu 73º aniversário.
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Com a cinebiografia A Teoria de Tudo, que rendeu a Eddie Redmayne, no papel de Hawking, o Oscar de melhor ator, a discussão a respeito do cientista e da doença reacende. Seria mesmo possível viver tantas décadas com o diagnóstico de ELA?
Músculos comprometidos
Jefferson Becker, neurologista no Hospital São Lucas, professor da PUCRS e pesquisador do Instituto do Cérebro, explica que a doença é degenerativa e afeta nervos motores, levando ao comprometimento do comando dos músculos do corpo. Em seu estágio inicial, costuma afetar pernas e braços - quando começou a apresentar os primeiros sintomas, Hawking levou um tombo de patins e não conseguia mais se levantar. O quadro tende a evoluir, chegando à musculatura respiratória e da deglutição, e levando à morte. Apenas 10% dos pacientes sobrevivem mais do que 10 anos.
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- Tem gente que questiona se o que ele tem é ELA ou uma variação da doença, pois a sobrevida média é de três anos. Mas acredito que é possível que alguém com ELA chegue a tantos anos - afirma o neurologista.
Brilhante até no combate à doença
Francisco Rotta, membro-fundador da Associação Regional da Esclerose Lateral Amiotrófica (Arela RS) e neurologista do Hospital Moinhos de Vento, relata que conhece um dos médicos de Nova York que examinaram Hawking e diz que o colega atesta que se trata de um caso de ELA.
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- É uma forma de evolução muito lenta da doença. Provavelmente, ele tem algum fator protetor que retarde o seu avanço - acredita Rotta, acrescentando que já acompanhou casos de pacientes que conviveram com ELA durante cerca de 20 anos.
Rotta destaca que Hawking optou por alguns procedimentos que ajudam a prolongar a vida, mas que não são escolhas comuns entre as pessoas com a doença. Um exemplo é a traqueostomia, colocação de um tubo direto na traqueia que permite a passagem de ar, mas torna o paciente dependente de aparelhos e ainda tende a dificultar ou mesmo impedir a fala e a alimentação via oral. Ainda assim, conforme Rotta, a longa sobrevida do físico está relacionada à forma como seu organismo responde à doença.
O neurologista destaca que Hawking "consegue usar o seu brilhantismo para enfrentar a ELA", pois desenvolveu uma habilidade muito grande com métodos complexos de comunicação, como o sintetizador de voz. Para Rotta, a persistência do físico serve de exemplo.
- Tem gente que recebe um diagnóstico ruim e para de viver. Ele seguiu estudando, trabalhando, produzindo. Nunca deixou de fazer algo por causa da doença, isso tem uma influência positiva. Percebemos que pacientes que mantêm a mente ativa e objetivos de vida têm um prognóstico melhor - afirma o especialista.
Saiba mais sobre a esclerose lateral amiotrófica
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa, sem cura e que afeta os nervos motores. Eles vão morrendo e, consequentemente, falta comando para os músculos. A pessoa perde as forças gradativamente.
- É uma doença adquirida, na maioria dos casos. Apenas de 5% a 10% dos casos são hereditários.
- Os sintomas iniciais são câimbras e fasciculações - tremores no músculo. Com o passar do tempo, o paciente começa com atrofia muscular e fraqueza. Alguns pacientes podem começar com quadro de alteração da fala e da deglutição.
- ELA é uma doença rara. De acordo com pesquisa realizada por especialistas, em julho de 2010 havia 70 pacientes vivos com diagnóstico da doença em Porto Alegre, gerando uma prevalência estimada de cinco casos a cada 100 mil pessoas - similar à encontrada em outras localidades do mundo.
- Há tratamentos medicamentosos e medidas que aumentam a sobrevida, como a alimentação por meio da gastrostomia - semelhante a um cateter - , e ajuda na respiração por meio de um ventilador mecânico chamado Bipap. Também há quem opte por fisioterapia, terapia ocupacional, implante de marca-passo no diafragma, entre outros métodos.
- Não é comum iniciar em pacientes muito jovens: normalmente, os sintomas de ELA aparecem por volta de 50 ou 60 anos.