Todos os médicos gostam de contar casos complicados e isso, em geral, torna-os insuportáveis no convívio social, porque os não médicos se sentem de imediato excluídos.
A tendência ao isolamento se multiplica com aqueles médicos que se dedicam às doenças, mas mal suportam os seus portadores, ignorando que, depois de uns 10 anos de atividade, percebe-se que as doenças são muito repetitivas e, em muitos momentos, completamente enfadonhas, condenando os relatores a uma chatice irrecuperável.
O que mantém a profissão fascinante é a variedade de angústias, tensões, comportamentos, expectativas, negações, culpas e fantasias que compõem um modelo diferente de reação para cada criatura ao encarar a inescrutável possibilidade da morte.
A bagagem cultural, a formação científica, as experiências familiares, as crenças populares e as lendas urbanas só enriquecem o modelo quase sempre original do homem e o medo espectral que o acompanha, atormenta, tortura, mas também protege. Conte a mesma história a 20 pacientes e depois, com calma e paciência, descubra que cada um desenvolveu uma versão particular, sempre autêntica, do ponto de vista do seu autor. Isso explica, por exemplo, que nos atribuam declarações que jamais faríamos, e tudo entregue com voz embargada e olhos marejados.
Tempos atrás, na saída de um teatro, fui barrado por uma senhora que, de braços abertos, disse: "Que bom revê-lo. Nunca vou esquecer aquela noite em que o senhor entrou no meu quarto e disse: dona Iracema, a sua vida está por um fio". Até achei simpática a dona Iracema, mas não estou nem um pouco convencido de que alguma vez tenhamos nos encontrado.
Não raro, quase antecipamos o que vai ser dito, mas lá vem o imponderável a nos desconcertar. O Genaro foi operado de câncer e, na alta hospitalar, recebeu um relatório e a recomendação de que devia fazer revisões periódicas até cinco anos, ao fim dos quais estaria estatisticamente curado, porque um paciente operado de câncer de pulmão que chega ao quinto ano de pós-operatório sem sinal de doença tem a mesma chance de morrer que uma pessoa da mesma idade que não teve câncer. Soube que o Genaro tinha entendido, lá do seu jeito original, quando sentou na minha frente, exatamente no dia que completou cinco anos da cirurgia, e disse com seu dialeto italiano: "Vim renovar a minha licença".
Outras vezes, a conversa toma uma trilha em que o sentimento dominante parece óbvio, mas nada disso. O Honório tinha 78 anos bem vividos como capataz de estância e, na noite anterior, despachou a família para uma conversa séria com o cirurgião. Expliquei em detalhes o que iríamos fazer e qual era a parte dele para que tudo desse certo. A cada informação, uma pergunta naquele delicioso sotaque fronteirista. "E esta tal de embolia? Também muito me assusta essa cosa de pneumonia. Sou um índio forte, mas na minha idade acho que nem precisa ser dupla pra matar."
Com tantas preocupações, foi inevitável perguntar: "O senhor tem muito medo de morrer, seu Honório?". Ao que ele respondeu, na maior calma: "Não tenho medo nenhum, doutor, mas o que me falta é a pressa".