São 4h30min quando o despertador toca na casa do produtor audiovisual Franck Rebello, 36 anos. Ele dormiu há cerca de cinco horas e, ao levantar da cama, dará início a uma jornada intensa de treinos e trabalhos. Apesar do cansaço, acorda empolgado e ciente de que não pode deixar a preguiça dominar seu corpo. Trata de espantar o sono e tomar café.
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Dentro de uma hora, estará pedalando com algum companheiro do triatlo, modalidade que pratica há dois anos. Às 7h, quando o sol nasce em Porto Alegre, ele já terá percorrido 60km e estará pronto para cair na água e dar braçadas até as 8h. A rotina do gaúcho de Erechim inclui ainda treinos de corrida e ginástica funcional na academia, sem falar de uma jornada de trabalho que chega a 12 horas por dia.
Nem sempre foi assim. Há dois anos, disputar o Iroman era uma possibilidade distante para um homem de 135kg com uma vida totalmente desregrada e sedentária. Quando viu sua saúde em risco por causa dos próprios hábitos, Frank decidiu mudar radicalmente.
- Eu estava no 18º andar de um prédio em construção quando tive um mal súbito e desmaiei. Me safei, mas fui advertido pelo médico de que, em caso de um eventual ataque cardíaco, as chances de sobreviver eram mínimas. Foi a sacudida que eu precisava para emagrecer - conta.
Procurou um médico, uma academia e uma nutricionista e começou a treinar. Por causa de uma hérnia e do sobrepeso, passava horas na esteira. Entediado e sentindo que faltava algo, viu na televisão um documentário sobre um idoso triatleta. Foi a inspiração que faltava.
Dois anos depois e com quase 50kg a menos (sem cirurgia nem remédio), ele acumula no currículo a participação em mais de uma dúzia de competições de triatlo e quer completar, em abril de 2015, a prova do Ironman.Serão 3,8km nadando,180km pedalando e mais de 42km correndo. Independentemente do tempo de prova, serão a determinação e a disciplina de Franck que levarão o pódio.
Autoconhecimento é trampolim da rotina
Assim como a disputa do Ironman, emagrecer 50kg ou estudar para ser aprovado em um concurso público são objetivos que também dependem do estabelecimento de um plano com metas e disciplina. Mas como fazer para criar e manter a rotina sem torná-la algo maçante?
Psicóloga e especialista em psicossomática, Tatiane Baggio explica que grande parte das pessoas tem dificuldade de disciplinar sua vida porque perseguem metas impostas por alguém de fora, e quando vão atrás de padrões externos, deixam de buscar autoconhecimento. Quando a disciplina é voltada para algo de que se gosta, explica, fica mais fácil manter.
- Mesmo com a carga pesada de treino, me sinto disposto e com vontade de acordar cedo por causa da realização pessoal. Quando se tem foco, a satisfação de atingir a meta recompensa - diz o estudante de Direito Gabriel Dupont, 25 anos.
Assim como Franck Rebello, ele treina para disputar pela primeira vez, em 2014, o Ironman. Para permanecer focado, abre mão de eventos sociais e, quando sai, procura não beber ou voltar mais cedo. Também abdica de tomar refrigerante, comer açúcar e farinhas. No caso de Dupont, o estilo de vida saudável ajuda a ir bem no trabalho e também nos estudos.
Mas disciplina em excesso pode ser prejudicial, diz Tatiane. Tudo bem de ela ajudar a manter o foco e organizar nossas atividades, mas quando gerar um nível de estresse e exigência prejudicial, deve ser revista:
- Muitas vezes as pessoas passam a não se permitir a fazer mais nada além do que a disciplina e rotina exige, ou seja, não dão vazão à criatividade e à quebra de protocolos, que também são importantes. A disciplina precisa estar a serviço da nossa saúde e organização, e não o contrário.
Hábitos criados, hábitos mantidos
Em grupo de estudos, Camila (D) se dedica para passar em disputado concurso
Foto: Mauro Vieira/Agência RBS
Há pouco menos de dois anos, Camila Pereira Silveira, 27 anos, decidiu fechar a academia que administrava e tornou-se, oficialmente, uma concurseira. A dedicação ao negócio próprio estava longe de render, financeiramente, o retorno desejado. Seguindo os passos da família, mirou na carreira pública e começou a se preparar. Atualmente, o cargo pretendido de oficial de Justiça paga salários acima de R$ 5 mil.
Mas para chegar lá, terá de enfrentar uma árdua rotina de estudos que toma conta de quase todo o seu tempo: das 7h às 21h, ela se dedica a assistir aulas, ler, fazer exercícios, resolver questões em grupo. Além de parar para comer e dormir, só abre mão dos estudos para ir à academia, duas vezes por semana. Descanso no final de semana, nem pensar:
- Mal chego a ver minhas sobrinhas. Quero fazer de tudo para acelerar o resultado.
Desde o ano passado,a professora de Educação Física Ana Cristina Teixeira também mudou sua rotina com o intuito de buscar maior estabilidade profissional. Ciente da disputa e do nível de concorrência, Ana sabe que, tão importante quanto criar o ritmo de estudos, é mantê-lo. Por isso, todas as brechas da sua agenda são ocupadas com os livros, nem que para isso seja necessário acordar às 5h, driblar o sono de depois do almoço ou postergar a hora de ir para a cama.
Desafio pessoal move atletas e concurseiros
O primeiro passo para encarar um desafio grande como as provas de triatlo é a vontade pessoal. Quem afirma é a técnica da modalidade Raquel Hoefel.
- São pessoas normais: casadas, com família, trabalho e compromisso. A pessoa se encaixa por causa da motivação interna. O professor tem de instigar um pouco, mas nosso papel não é criar esse sentimento. Tem de partir do aluno - diz Raquel.
Ter um objetivo a ser conquistado e estabelecer novas metas, segundo a treinadora, ajuda a turbinar os treinos. A competição não é com os outros competidores, mas consigo mesmo.
No caso de concurseiros, é preciso olhar para a concorrência, sem descuidar do empenho próprio. Segundo o professor Dirceu Minetto, diretor do Cetec, o treino é necessário para diminuir os erros. Tem de conhecer o regulamento e o próprio jeito de estudar, mas a conquista não será fruto do acaso. Os alunos adaptam as estratégias de acordo com a experiência que possuem. Alguns estudam sozinhos, outros preferem assistir às aulas ou estudar em grupo. Independentemente da plataforma, o mais importante é manter a disciplina.
- O que vai fazer a diferença é o interesse da pessoa, aquilo que atrai é o que prende mais a atenção - diz Minetto.
A psicóloga Tatiane Baggio reforça que, quando o desejo parte do indivíduo, a disciplina é uma consequência, e o foco pode ser treinado. Segundo ela, é comum errar o alvo quando não se investe em autoconhecimento.
- A realização pessoal tem de estar no alvo, senão não há disciplina - conclui.
Como desenvolver a disciplina
- Antes de estabelecer uma meta, avalie se ela é coerente com seu perfil e sua realidade.
- Pense no seu objetivo e crie um planejamento de como chegar até ele.
- Saiba o quê precisa ser feito, como e quando. Anote.
- Peça ajuda de especialistas, mas saiba que eles não farão o trabalho por você.
- Coloque-se um prazo para conquistar o seu foco.
- Programe um roteiro, cronograma ou agenda.
- Siga. Se não conseguir, avalie mudar de estratégia.
- Mas, atenção: não seja tão rigoroso. Permita-se flexibilizar a rotina eventualmente.
- A disciplina precisa estar a serviço da nossa saúde e organização, e não o contrário.
Fontes: psicóloga Tatiane Baggio, preparador físico Thiago Bicca