Aprender uma nova língua pode trazer mais vantagens do que se imaginava, aponta uma pesquisa coordenada por especialistas de uma universidade escocesa na Índia. Segundo o estudo, publicado recentemente na revista Neurology, falar um segundo idioma parece retardar o aparecimento de algumas doenças neurológicas, como alzheimer.
Para chegar a essa conclusão, os autores analisaram os históricos médicos de idosos indianos e constataram que, no grupo dos bilíngues, o surgimento de alguns tipos de demência ocorreu, em média, quase cinco anos depois.
Thomas Bak, professor do Centro de Neurociência Cognitiva da Universidade de Edimburgo e principal autor do estudo, explica que a ideia da investigação surgiu em 2007, quando foi publicado um trabalho do Canadá que observou um resultado parecido ao comparar idosos nascidos naquele país com outros que haviam migrado de outros países.
- Esses bilíngues (do estudo anterior) são, em sua maioria, de origem judia do leste europeu. Eles têm hábitos e genética diferentes, o que torna difícil fazer um comparativo - explica Bak.
O pesquisador decidiu, então, comparar pessoas com genética e estilos de vida semelhantes para ver se alcançava resultados semelhantes. Para isso, contou com a parceria do Instituto Nizam de Ciências Médicas, na cidade indiana de Hyderabad, onde há muitas pessoas com o conhecimento de mais de um idioma.
- Em lugares como Hyderabad, o bilinguismo é parte da vida cotidiana. O conhecimento de várias línguas é a norma, e o monolinguismo, uma exceção - explica Bak.
Lá, os autores puderam analisar o histórico médico de quase 650 pessoas diagnosticadas com algum tipo de demência, observando que os pacientes bilíngues e poliglotas com alzheimer, demência vascular e demência frontotemporal apresentaram o problema, em média, quatro anos e meio mais tarde que os demais. E o benefício alcançava até mesmo aqueles que eram analfabetos e tinham apenas aprendido a falar outro idioma.
- Isso acaba confirmando que o efeito observado não é causado por diferenças na educação formal - afirma Bak.
Malhação mental
Na opinião de Bak, os resultados indicam que há vantagens cognitivas que são conquistadas pelo aprendizado:
- Quando as pessoas têm muitas atividades mentais, elas tornam seu cérebro mais forte.
O especialista acha que os treinos mentais não livram totalmente a pessoa de ter problemas futuros, mas podem retardar o aparecimento:
- O tempo que se ganha antes que ela apareça é importante para o bem-estar do idoso - complementa.
Para Marcelo Kawano, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), a investigação mostra que o aprendizado de línguas pode auxiliar o cérebro a se proteger de doenças que surgem com o avanço da idade, independentemente do nível de instrução.
- Um dos pontos positivos é englobar na análise pessoas que são analfabetas e que, mesmo assim, apresentaram os problemas neurais mais tardiamente - destaca.
O brasileiro, que não participou do estudo, destaca ainda que, além do aprendizado de idiomas, outras "tarefas" podem auxiliar o desenvolvimento cognitivo:
- Sabemos que qualquer estímulo serve como profilaxia (proteção de doenças). Também sabemos que os neurônios não se multiplicam, mas fazem sinapses. Ao realizarmos tarefas que exigem mais do cérebro, qualquer tipo de aprendizado, como computação por exemplo, há um maior número de sinapses, levando o cérebro a trabalhar mais e se proteger.
Para Sérgio Fernandes, geriatra do Laboratório Exame, a pesquisa mostra dados interessantes, mas é preciso ressaltar que outros fatores podem ter influenciado o resultado.
- É preciso considerar que os participantes podem ter tido outros hábitos, como fazer cursos profissionalizantes, costume comum na Índia. Mesmo assim, é possível ver nos números uma diferença bem grande do tempo ao qual a doença demorou para aparecer - analisa.
O geriatra acredita que estudos que seguem essa linha alimentam conceitos já conhecidos:
- Hobbies como aprender uma segunda língua não vão impedir as pessoas de desenvolverem demências, mas, com certeza, podem contribuir para que cheguem mais tarde.XX
Aprendizado contra a demência
Falar mais de um idioma ajuda a adiar o aparecimento de doenças neurológicas
Grupo de bilíngues indianos idosos demorou, em média, cinco anos a mais para desenvolver demência em relação àqueles que falam apenas uma língua
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