*Comunicador da Rádio Atlântida, Piangers tem orgulho de ser paizão
Quando meu vô precisou de transfusão de sangue nos últimos três meses de vida (aquela época em que fazemos de tudo sabendo que não adianta de nada), fiquei com ele no quarto de hospital por algumas manhãs. Foi no começo do ano passado, isso. Quando chegou o almoço do hospital, meu vô não quis comer:
- Quanto custa?
Expliquei que estava incluso no pacote.
- A sobremesa também?
Respondi que sim.
- Então tomar banho aqui também não é cobrado?
E entendi por que há dois dias ele não ia ao chuveiro. Com a minha mãe, passei por uma situação parecida. Na primeira vez dela numa churrascaria de espeto corrido, estranhei a elegância, pouco habitual, de dizer não para quase tudo e pegar apenas algumas carnes mais baratas. Basicamente ela almoçou frango e arroz. Expliquei que estava tudo incluso e que ela pagaria o mesmo preço, comendo picanha ou linguiça, filé mignon ou abacaxi com canela. Mas a velha já estava estufada de galinha com bacon.
Na hora do garçom oferecer a bandeja de sobremesas, a louca não hesitou em agarrar dois mousses, três trufas e um quindim. Tentei dizer "não quero" pra ouvir um enfático "quer, sim!" enquanto ela distribuía sobremesas no meu prato. Expliquei que as sobremesas, essas, sim, eram pagas (e por unidade!), e ela quis devolver um quindim meio mordido. Juro. História real.
Nossa família sempre acreditou que só o muquiranismo salva. Nenhum gasto acima de R$ 30 é justificável. Os itens do supermercado são revistos ponto a ponto, como se estivéssemos lidando com gângsters do outro lado da caixa registradora. Um carro deve durar mais de 10 anos, de preferência sem trocar o óleo do motor. Um chuveiro só precisa ser trocado se sair fumaça. "Fumaça preta, é claro", diria meu tio Vitor.
Essa semana, minha filha de oito anos fez alguns trabalhos e, por eles, embolsou a quantia de R$ 100. Juntou mais R$ 100 de uma vó, mais R$ 100 de umas vendas de revistinhas, e voilá: tinha dinheiro suficiente pra comprar um Furby. Eu me recuso a explicar o que é um Furby, tenho pouco espaço aqui pra essas coisas. Mas é um desses brinquedos que trazem muito aborrecimento para pais e filhos. Mas ela foi ver o Furby. Olhou o Furby, testou o Furby na loja. Pensou. Depois foi ver um tamagochi. Testou o brinquedinho. Depois, um lego. Depois, quis ver umas roupas.
- Pai, por que os brinquedos parecem tão legais na loja mas tão chatos quando estão em casa?
Eu expliquei que as pessoas são assim, só desejam o que não têm. Ela resolveu guardar o dinheiro dela. Minha mulher falou:
- Anita, o dinheiro é teu. Tens que gastar com alguma coisa que tu gostes. Não vai virar uma "piangers" - no tom pejorativo que só a minha mulher sabe entoar.
E a Anita respondeu:
- Tarde demais, mãe.
Se você tem alguma história boa para contar sobre seus filhos, mande pra mim (piangers@atlantida.com.br). Vai ser um prazer compartilhar com outros pais.