Um conjunto de pesquisas pouco conhecidas entre o público não especializado revela que as crianças gaúchas estão se alimentando muito mal - e desde cedo. O mais recente desses estudos, realizado pela professora Márcia Vitolo, do Núcleo de Pesquisa em Nutrição (Nupen), da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, acaba de ser publicado pelo European Journal of Pediatrics.
Ele revela que o consumo elevado de sódio, presente no sal, já produz alterações na pressão arterial entre crianças de apenas três e quatro anos. Para a pesquisa, foram testadas 331 crianças de São Leopoldo, que vêm sendo acompanhadas desde o nascimento. Entre elas, 5,2% apresentaram pressão arterial elevada. A pesquisa detectou que, quanto maior a presença de sódio na dieta, mais alta era a pressão.
A precocidade dos problemas decorrentes da má alimentação apareceu também em um trabalho realizado pela pesquisadora em Porto Alegre, com um grupo de 600 crianças de dois e três anos de idade. Foi constatado excesso de peso em 35% delas - índice impensável uma década atrás.
Em outro estudo, que teve escolas infantis de Caxias do Sul como universo, ficou patente o papel nocivo causado pelos lanchinhos e guloseimas. Márcia e seus colaboradores analisaram a dieta de 362 crianças de dois aos seis anos que permaneciam em tempo integral nos estabelecimentos de ensino. Depois, levantaram junto aos pais o que cada uma delas comia em casa. O resultado assustou os pesquisadores.
Apesar de passarem o dia na escola, onde faziam as principais refeições, era em casa, das 18h às 6h, que elas consumiam 60% das calorias - basicamente gordura, sal e açúcar.
- Os pais pensam: ah, ele se alimentou bem o dia inteiro, então em casa pode comer salgadinho, hambúrguer, pizza. Acontece que a criança acaba comendo muitas calorias em casa e deixa de comer na escola. É mais fácil ingerir 300 calorias de achocolatado do que de feijão e arroz - diz Márcia.
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Confira a entrevista com a professora Márcia Vitolo, do Departamento de Nutrição da UFCSPA
Zero Hora - Como está o consumo de sal, açúcar e gordura pelas crianças?
Márcia Vitolo - Esse consumo é muito alto. Isso é muito claro. Não precisa mais de diagnóstico. O que mais nos impressiona é o consumo alto desde o primeiro ano de vida. A criança vem sendo acostumada a esses sabores e alimentos na fase de formação das preferências alimentares, que ocorre até os dois anos.
ZH - Qual a consequência disso?
Márcia - O açúcar e o sódio, quando introduzidos precocemente e com periodicidade, criam na criança uma preferência por esses sabores. Isso se perpetua na vida dela. A introdução precoce faz haver consumo mais elevado depois. Ela vai comer cada vez em quantidades maiores.
ZH - O que isso significa para a saúde?
Márcia - Além de serem alimentos de risco, o açúcar, o sal e a gordura têm como grande problema substituir os alimentos saudáveis. Eles são altamente energéticos. Quando são consumidos sem limite, a criança não tem apetite para alimentos adequados. Ela deixa de comer legumes, verduras e frutas. Orientei a dissertação de mestrado da nutricionista Julia Valmórbida, cuja pesquisa concluiu que 87% das crianças de três e quatro anos não comiam a porção mínima de 60 gramas de verduras e legumes por dia, o equivalente a apenas duas colheres de sopa de abobrinha refogada.
ZH - Essa geração vai ter problemas no futuro?
Márcia - Se continuar nessa batida, teremos cada vez mais diabetes, obesidade e hipertensão em pessoas jovens. São doenças que começaram entre os idosos, foram para os adultos e agora vamos ter nos jovens. É necessária uma conscientização de que a prevenção da doença no adulto tem de começar na infância, e o principal fator é a alimentação. Açúcar, sal e gordura têm de ser consumidos em pequenas quantidades, com controle. Quando há limite nesse consumo, as crianças acabam buscando as calorias que precisam em alimentos mais saudáveis.
ZH - Como deve ser a merenda enviada para a escola?
Márcia - O ideal é que seja um lanche saudável, com frutas, sanduíches com recheios de baixo teor de gordura, biscoitos sem recheio e sucos naturais de caixinha, de preferencia sem açúcar. Se crianças maiores querem comprar o lanche nas cantinas das escolas, os pais devem orientar que procurem por saladas de frutas, iogurte e salgados assados, não fritos. É muito importante o diálogo entre pais e escolares nessa hora da alimentação, porque se a criança comeu algo não saudável na escola, isso pode ser compensado em casa com alimentos saudáveis.
A pesquisa
O estudo de Júlia Valmórbido, que acompanhou 388 crianças de Porto Alegre, trouxe revelações alarmantes:
58% não consumiam a porção mínima de frutas por dia
87% não consumiram a porção mínima de hortaliças
Merenda bomba
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