Seja para um almoço de domingo ou para levar e buscar na escola. Na Capital ou no Interior. Em um bairro tranquilo ou em uma movimentada avenida. O tráfego de veículos é um fator que frequentemente põe em xeque a segurança dos ciclistas. Alguns pais, porém, não se intimidam com as circunstâncias do trânsito caótico e pedalam felizes pela cidade com seus filhos na garupa.
Opções de cadeirinhas portáteis, presas na dianteira ou na traseira da bicicleta, são a solução mais óbvia para transportar os pitocos. Mas quando eles são muito pequenos ou maiores do que o assento, vale usar a criatividade e investir em uma bolsa tipo canguru, presa no peito do condutor, ou em um banquinho com almofada, na parte de trás.
Pai jovem e de primeira viagem, o empresário Paulo Junior Kendzerski está ensaiando os primeiros passeios com a filha, Rafaela. Com a mulher, Paola, usa o sistema de aluguel BikePoa para pedalar nos fins de semana. Entre os itinerários experimentados pela família, estão o caminho até a casa dos avós, no Menino Deus, e a orla do Guaíba, próximo à Usina do Gasômetro. Como a empresa Samba ainda não oferece suportes para banquinhos infantis, o pai acomodou a filha junto ao próprio corpo, usando um canguru que trouxe de Nova York.
- Telefonei para saber se o BikePoa oferece algum suporte para crianças, mas, infelizmente, ainda não há. Então, tive de improvisar - conta.
Com apenas um ano, Rafaela já manifesta felicidade em passear, balançando o corpo para um lado e para o outro e dando gritinhos para expressar a excitação de ver a vida em movimento. Assim que o passeio é interrompido, ela chora como que não admitindo a pausa para descanso: quer mais vento no rosto.
Trajeto de aventuras e descobertas no banquinho
Há muito tempo acostumada a cruzar as lombas íngremes da cidade serrana de Caxias do Sul, a jornalista Anahi Fros se considera uma cicloativista. Apaixonada pelo transporte em duas rodas, não deixou de transmitir o gosto para o filho Pedro, sete anos. Para ele, ser carregado na magrela é praxe desde pequeno. Mas, hoje, tem na bicicleta mais do que um objeto de lazer. Ela é seu principal meio de transporte até a escola. Para levar o filho no banquinho de trás com segurança, a jornalista adaptou uma base para Pedro colocar as pernas e evitar acidentes com os aros da roda. Diariamente, a mãe percorre 1,3 quilômetro até o colégio em uma rota marcada por muita conversa, aventura e emoção:
- A ida para a escola é um evento. No caminho, falamos sobre a paisagem, vendo o que há na rua. Se algo chama a atenção dele, paramos para observar.
Na escola de Pedro, a atitude de Anahi chama a atenção, mas nem sempre é bem-vista entre os outros pais. Mas se o hábito encontra certa resistência entre "adultos carrocratas", como ela define, as crianças são as principais fãs do transporte alternativo.
O mundo de Sofia sobre duas rodas
Desde que foi estudar no Colégio Americano, há dois anos, Sofia tem o prazer de dizer que faz algo pelo planeta. Seu meio de transporte oficial para se deslocar, diariamente, não emite gás carbônico. Exceto nos dias de chuva, os pais Marcos e Leia Abrahão levam e buscam Sofia na garupa da bicicleta. E se perguntar para a menina por que ela gosta tanto da magrela, as respostas estão na ponta da língua:
- É muito mais divertido e também polui menos o ambiente - diz, aos sete anos.
Não é à toa que a garota esbanja consciência. Filha de donos de uma livraria que trata sobre questões de ecologia e sustentabilidade no bairro Cidade Baixa, ela está acostumada a viver entre obras literárias que narram as peripécias de cicloativistas, entre outras alternativas para um planeta melhor. Logo, é natural que parta dela uma vontade de colaborar com a cultura que seus pais estão ajudando a construir.
No imaginário de Sofia, há espaço para sonhos com um mundo em que as pessoas pedalem mais. Tanto que já pediu para ir dirigindo a sua própria bicicleta.
- Daqui há dois anos, tudo bem. Mas ela ainda está muito pequena para corrermos esse risco - diz a mãe.
O translado alternativo acaba reduzindo em um terço do tempo o trajeto até a escola. Metade do percurso passa pelo Parque Farroupilha (Redenção). É nesse momento que o deslocamento torna-se lúdico, e a família pode admirar árvores, cachorros e flores.
A rotina ciclística também faz Sofia e seus pais identificarem outros elementos da paisagem: as pessoas. Os membros da família Abrahão são capazes de reconhecer alguns cidadãos que, tal como eles, vão e vêm todos os dias de bicicleta. Não sabem seus nomes, mas percebem sua existência e sorriem quando se cruzam, vivenciando a cidade de forma mais humana e afetiva.
Sem estresse
Ele sempre curtiu pedalar, mas como não tinha uma bicicleta na adolescência, vivia atrás de amigos que lhe emprestassem a magrela. A paixão perdurou na fase adulta, e, quando teve um filho, decidiu que compartilharia o gosto. Desde que Chico começou a frequentar a escola, o multiinstrumentista Marcio Petracco usa a bike para transportá-lo até o Colégio Rosário, no centro da Capital.
- O Chico foi poucas vezes para a escola de carro. Ele tem bike dele, aos nove anos. Antes tinha cadeirinha na frente, depois atrás, depois bagageiro. Ele fica de cara quando não vai de bike. A gente pega pouco trânsito, porque cruza o parque na diagonal e sobe a Rua Barros Cassal. É mais rápido. E os outros pais ficam se estressando ali na frente do colégio.
Nem todo mundo aprova
Mesmo com a boa fama, há quem acredite que os riscos e a insegurança não compensam a aventura. É o caso da coordenadora nacional da ONG Criança Segura, Alessandra Françoia. Para ela, bicicleta é um veículo individual, e, como a criança fica muito exposta, pode desconcentrar o ciclista durante o passeio. Alessandra defende a ideia de que lugar de criança é dentro do carro.
- Enquanto as vias não forem seguras, não dá para carregar os filhos. A criança fica muito vulnerável, mesmo que esteja paramentada com cinto de segurança e capacete.
Os pais reconhecem o perigo, por isso tentam fazer a maior parte do trajeto cruzando parques ou nas calçadas. O Código Brasileiro de Trânsito ainda diz que bicicleta é um meio individual, mas países como o Japão já regulamentaram o transporte na garupa da bicicleta.