Na entrada do consultório, algo de sutil recebe quem vem desanimado. Um sorriso de batom, um cacho de cabelo desprendido do coque, um abraço quase materno, a paciência para ouvir, a firmeza delicada para falar o necessário. E tudo pode parecer um pouco mais suave, quando dito pela voz macia da "doutora".
Essa cena, que pode muito bem ocorrer em qualquer consultório médico por aí, só é possível hoje graças a mulheres pioneiras que tiveram a coragem de desafiar a regra. Somente homens podem estudar e exercer medicina? Não para elas. Mulheres não têm capacidade? Elas trataram de provar o contrário. E assim abriram caminho para outras tantas, que fizeram da medicina a razão de suas vidas.
A primeira brasileira
A primeira mulher a se formar em medicina no Brasil foi a gaúcha Rita Lobato, nascida em Rio Grande em data imprecisa. Sobre Rita, o médico e escritor Moacyr Scliar escreveu em uma coluna publicada em março de 2008 em Zero Hora: a vida dela daria um romance. Com o apoio dos pais, Rita estudou medicina no Rio de Janeiro e transferiu-se para a Faculdade da Bahia, onde foi a primeira mulher em 80 anos de instituição. Para assistir às aulas de anatomia (que era considerada uma ciência imoral), ela precisava estar acompanhada de uma senhora de respeito. Ainda durante o curso ocorreu um fato que pode ter mudado a vida de Rita: sua mãe morreu de parto. Ela decidiu, então, que lutaria para que nenhuma outra mulher morresse daquela forma. Em tempo recorde, terminou o curso e defendeu uma tese sobre métodos de cesariana. Depois de formada, casou-se com um namorado de infância e foi morar em Jaguarão e depois em Rio Pardo. Diz a lenda que ela atendia pacientes de graça, fornecendo inclusive os remédios para os tratamentos. Quando tinha cerca de 60 anos e ficou viúva, abandonou a medicina. Pouco tempo depois de as mulheres terem conquistado o direito ao voto, elegeu-se vereadora, em 1934, com quase 70 anos. Teve o mandato cassado pelo Estado Novo em 1937. Morreu em 1954, com quase 90 anos.
Com o Imperador na Banca
Um ano depois da formatura de Rita Lobato, outra gaúcha conquistou o diploma de medicina, desta vez pela Faculdade do Rio de Janeiro. Ermelinda Lopes de Vasconcelos, nascida em Porto Alegre, concluiu o curso em 1888 e teve o próprio imperador Dom Pedro II como presidente da banca de defesa da sua tese. Chegou a ter uma clínica prestigiada no Rio de Janeiro, apesar dos olhares tortos da sociedade por ser mulher. Uma lenda conta que o historiador Silvio Romero a chamou de "machona" em uma crônica, afirmando que a tal médica jamais pisaria em sua casa. Tempos depois, Ermelinda foi chamada na casa dele, para o parto da sua mulher. Estima-se que ela tenha feito mais de 10 mil partos.
Na faculdade aos 15 anos
A terceira mulher formada em medicina no país foi a pelotense Antonieta César Dias, nascida em 1869, filha do escritor e jornalista Antonio Joaquim Dias, que fundou o Correio Mercantil, um dos jornais da época na cidade. Antonieta começou seus estudos em Pelotas e, em 1884, mudou-se para o Rio de Janeiro com o pai. Lá, ingressou na Faculdade de Medicina com apenas 15 anos. Para sua tese, estudou a hemorragia que ocorria em mulheres após o parto. Morreu no Rio de Janeiro, em 1920.
Pioneira no estado
Alice Mäeffer não precisou deixar o Rio Grande do Sul para buscar a formação em Medicina em outros Estados. Matriculou-se na primeira turma da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1898. Em 1904, recebeu seu diploma. Segundo a lenda, era uma aluna aplicada, cuja tese repercutiu na faculdade. Sua história posterior, no entanto, é pouco conhecida. Há versões dizendo que ela teria abandonado a medicina tempos depois da formatura por imposição do marido. Mas essa informação não é oficial.